A poucos dias de apresentar o seu novo espectáculo no Passos Manuel,  a trompa fez algumas perguntas a José Valente sobre “Os pássaros estão estragados“; eis o resultado da flash interview com José Valente:

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Dia 9 de abril estreia no Passos Manuel (Porto) o espectáculo “Os pássaros estão estragados”. O que podem esperar as pessoas que forem assistir ao espectáculo?
Apesar de se tratar da apresentação do meu mais recente disco com o mesmo nome, este é um espectáculo multidisciplinar construído numa simbiose entre a música, a imagem, a palavra, e a performance. Por esta razão, participaram na elaboração deste trabalho vários artistas portugueses de reconhecido mérito: o escritor Afonso Cruz; os artistas plásticos Paulo Mendes, António Olaio, Marta Bernardes; o arquitecto Pedro Bandeira; o actor Ricardo Seiça; o cenógrafo Israel Pimenta e o sonoplasta Pedro Adamastor.
Esta conjugação de esforços artísticos resulta num concerto onde o meu instrumento, a viola d’arco, comunica com todos estes diferentes impulsos estéticos, inaugurando um espaço expressivamente rico, denunciador de uma inquietação pessoal sobre a conjuntura actual da sociedade ocidental.

Em termos conceptuais, pode dizer-se que há uma ideia, um conceito por detrás deste espectáculo? Qual?
Sim, há um conceito esclarecido por detrás desta obra. Tudo começou com um texto do Afonso Cruz onde existem “pássaros estragados” que “cantam em silêncio”. Vivemos actualmente sobre a alçada de um regime invisível que condiciona as opções e escolhas do ser humano através de novos mecanismos de opressão. A confusão entre o espaço público e o espaço privado, a manipulação exercida pelos media, a falsa originalidade do hipsters, etc. são a consequência da acção desses mecanismos. Ou seja a repressão faz-se, hoje em dia, através de um simulacro de liberdade: uma liberdade equivocada. As pessoas convencem-se que estão livres porque podem seleccionar entre comprar o produto A ou produto B. Contudo, nunca colocam a hipótese de não comprar o produto. Neste espectáculo são apresentadas duas metáforas relevantes para o entendimento desta liberdade equivocada. Por um lado temos uns pássaros mudos que simbolizam um povo incapaz de se fazer ouvir. Ou porque já não consegue “cantar”, ou porque quando canta, ninguém ouve.
Por outro temos uma personagem (presente tanto no texto do Afonso como no meu disco) chamada Bonifaz/Bonifácio, que se emancipa. O Bonifácio é um vendedor de pássaros apático, complemente indiferente ao que se passa à sua volta. Quando este se apercebe do silêncio das suas aves, decide ensiná-las a cantar. Ou seja, o Bonifácio representa um o povo inerte e despreocupado que, devido a um impulso circunstancial, decide alterar o seu estado de letargia.

Eu não quero motivar uma revolução. Até porque essa proposta nunca foi ou será a função da arte. Eu apenas quero motivar a curiosidade, a vontade de nos transcendermos.

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Passado este espectáculo como vai ser o futuro próximo do José Valente? Há mais novidades que se possam desvendar?
Após esta actuação no Porto, irei celebrar o fim de semana do 25 de Abril em Coimbra com um conjunto de conversas e um concerto. Nas conversas discutirei as questões em cima enunciadas com o historiador Rui Bebiano, o crítico e escritor Rui Eduardo Paes e com o Paulo Mendes. O concerto “Os Pássaros estão estragados” será no dia 25 de Abril no Salão Brazil.
Também irei apresentar este espectáculo em Lisboa, no Auditório do Conservatório Nacional em Maio. E ainda estamos a trabalhar numa futura apresentação em Guimarães.
Entretanto, irei começar a preparar dois novos espectáculos: um concebido exclusivamente com o repertório de estrada (várias peças soltas que fui tocando aos longo dos anos) com um carácter lúdico, quase pedagógico. O outro ainda está em fase de pesquisa. Neste momento ando a estudar os diferentes modos de foco, a tentar perceber como se constrói uma perspectiva e o quanto o espaço envolvente modifica essa perspectiva. Ainda não tenho nada palpável, mas está a ser muito interessante a aprendizagem.
Ah! E já me ia esquecendo! Nas próximas semanas deverei entregar a minha tese de doutoramento.

By Rui Dinis

Rui Dinis é um pai 'alentejano' nascido em Lisboa no ano de 1970, dedicado intermitentemente desde Janeiro de 2004 à divulgação da música e dos músicos portugueses.