Caixa Económica Operária, Lisboa, 27 de Janeiro de 2006.
“Uma Dia a Caixa Vem Abaixo” começou bem mas não veio – abaixo entenda-se; não tanto pela qualidade do espectáculo aí ocorrido – de grande impacto – mas antes pelo número de pessoas que infelizmente não enchia a bela Caixa Económica Operária – algo longe disso; a fumarenta Caixa – diria antes -, ao fim de algum tempo o ar estava quase irrespirável. Sem fôlego, mas preparado para o que se havia de seguir, uma torrente sonora do rock lisboeta mais alternativo – mais instrumental, mais experimental. Sem palavras – ou quase – a noite foi de uma mensagem instrumental levada ao limite, a mensagem dos saltimbancos, qual artista saltando de instrumento em instrumento, a mensagem das duas baterias em palco, a mensagem das guitarras, baixos, teclas e percussões sem fim – a noite do rock. Este é o novo rock que espreita em Lisboa, como a electrónica faz no Oeste, o Indie em Castelo Branco ou o Rock’n’Roll em Coimbra…como diria alguém…”assim vale a pena“!

Que bem que começou…com Lemur.
Entre a experimentação e a contemplação…disse aqui há tempos…sem grandes segredos, o quarteto lisboeta (Vasco Furtado – bateria, João Brandão e João Marques – baixo e guitarra e Pedro Rodrigues – violoncelo e teclas) disparou para um início de festival pujante, sonoro, com aquele rock instrumental feito de calmias e explosões, de momentos de relax e muita tensão. Quase sempre na forma de trio (bateria-guitarra-baixo), os Lemur têm no seu estilo sempre muito coerente, uma razão sonora de exisitr muito pessoal, não fugindo à solução muito própria de um powertrio (na maior parte das vezes) cheio de vontade e capacidade de encher uma sala – de som. A atitude alternativa, a sede de alguma reivenção, faz dos Lemur umas das bandas de rock instrumental mais estimulantes do momentos – uma simplicidade instrumental feita energia pura. Uma descoberta sónica.

Música para os sentidos ou a paixão de ouvir uma outra forma de rock…Ölga.
Com um início intermitente e com a sonoridade mais crua que o palco sempre permite, os Ölga haveriam de embalar – também – para uma prestação interessante, segura, catalizadora na seu todo. Também instrumental, com uma voz sussurante aqui e ali, os Ölga conseguiram com alguma facilidade manter viva uma plateia, que ao mesmo tempo, ia vivendo uma experiência multimédia através da projecção de um vídeo no fundo do palco; no rodopio dos músicos – poucos – pelos vários instrumentos, todo o experimentalismo e improvisação de uma experiência como a dos Ölga veio à tona, criando-se momentos de pura diversão, de alguma elevação, de sensações imagéticas. Sem alguns dos arranjos digitais dos discos, a passagem para o palco do excelente “What Is” foi feita com distinção; esta é uma nova experiência, sensorial e ao contrário dos Lemur, mais expansiva, mais diversificada, sonoramente mais alargada. Uma fantasia sónica.

Para começar ficámos a saber que “Mighty Sounds Pristine”, CD de estreia dos Bypass irá finalmente cair nas estantes…5 de Maio é o dia.
E com isto o festival continuou, agora, com o destilar de toda a urbanidade do pós-rock que sai dos instrumentos destes regressados lisboetas – diria mesmo, um bom regresso; e com toda a intensidade dramática que brota da sua música, tendo mesmo alguns destes momentos, sido os mais furiosos da noite. Juntos desde 1998 e com um EP na discografia muito bem recebido pelo meio, os Bypass, de uma essência instrumental igualmente muito forte – escassas foram as palavras que se ouviram – brindaram-nos com algumas peças de incrível e versátil arranjo assim como de duração (grande “9 a.m.”) – foram momentos de alguma inquietação. Com uma panóplia de instrumentos de percussão incontável – mesmo, a música dos Bypass é também ela uma experiência diferente, fantástica; e confirma-se, em palco os Bypass são intensos, enérgicos, experimentais e em termos musicais, os mais complexos da noite…Uma experiência sónica.

Mais do que um simples festival, “Um Dia a Caixa Vem Abaixo” promete ser uma Mosta (com M grande) do melhor rock alternativo e experimental que se faz hoje em solo nacional.
Pena é que não venha abaixo…

By Rui Dinis

Rui Dinis é um pai 'alentejano' nascido em Lisboa no ano de 1970, dedicado intermitentemente desde Janeiro de 2004 à divulgação da música e dos músicos portugueses.