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Em Directo com Filipe Raposo

Rui DinisRui Dinis

Com o álbum de estreia nos escaparates, “First Falls” (Orfeu, 2011), Filipe Raposo deixou-nos algumas palavras sobre o mesmo; sobre si e a sua arte:

O que move Filipe Raposo enquanto músico?
Quando evoco as minhas memórias de infância, sobre os primeiros encontros com obras de arte, que são consideradas pilares essenciais da Humanidade, relembro por exemplo o triptíco “Paixão de Santo Antão” de Jerónimo Bosch, e a Oratória “Paixão segundo S. João” de J. S. Bach, estes dois episódios marcam sem dúvida a entrada no universo da arte, onde o desejo de entender o significado e a transcendência destas obras, fizeram-me “mergulhar” neste imenso oceano… há uma descoberta do Eu colectivo, que se chama Humanidade, que se dá precisamente com a tentativa cognitiva de entender o porquê da obra de arte…
O que me move enquanto músico, é sem dúvida uma procura de entender a Humanidade, perceber como temos evoluido e para onde vamos… é a minha justificação para a metafísica.

Numa frase apenas, como caracterizaria o seu novo disco?
First Falls, é um disco onde sintetizo um percurso académico e artístico, onde as diferentes linguagens, a música tradicional, a música erudita e a improvisação, coabitam num território, que é a minha música e a minha forma de escutar o mundo.

“First Falls” é o seu disco estreia. É o disco que sempre quis fazer, ou ficou ainda alguma ponta solta? Ou acha que fica sempre uma ponta solta?
Quando compomos e gravamos uma obra, temos sempre a sensação de que a aleatoriedade criativa poderia ter-nos encaminhado numa outra direcção, no entanto tento entender a composição como um grande edifício no qual entramos e porta após porta, vamos traçando um caminho, que nos leva a uma saída possível… sabendo à priori que cada decisão tomada (que corrobora o impulso criativo) aproxima-nos com mais certeza do fim da peça.

Diz-se sobre este disco que as suas composições combinam a matriz da música tradicional com a da música contemporânea. São mesmo dois amores, diferentes, ou é o seu encontro que mais o fascina?
Viver entre estes dois universos musicais, é habitar um espaço poético onde se estabelece um paralelismo entre o passado e o presente. Refiro-me a um espaço poético de encontros, de referências humanas e artísticas, de grandes partilhas que me transformaram e moldaram enquanto criador… na matriz da música tradicional encontro os pilares que servem de base ao grande “edifício” que é a música erudita contemporânea, concluindo desta forma, que não poderá haver erudição sem tradição.

E onde entra a música improvisada nesta relação?
A música improvisada surge como elo comum, entra a tradição e a contemporaneidade, é forma que encontrei para unificar as diferentes composições no disco, aparecendo como uma linguagem transversal…

O disco contou com as participações de Carlos Bica e Yuri Daniel no contrabaixo e Carlos Miguel e Vicky Marques na bateria.Em duo ou em trio, sente que há dinâmicas diferentes quando toca com um ou outro baterista ou contrabaixista? Ou é a figura do piano que domina claramente, seja qual for o acompanhamento? Que diferenças se podem encontrar?
A escolha prendeu-se sobretudo, com uma imagem orquestral, que nasceu à medida que as composições foram surgindo…desta forma, por exemplo, para os temas mais acústicos, escolhi o Carlos Bica no contrabaixo, nos temas mais electricos, Yuri Daniel no baixo fretless…o piano obviamente que tem abordagens diferentes consoante a orquestração/instrumentação dos temas. Nos temas que gravei a solo, a intimidade conseguida, serve um propósito composicional, assim como no tema “kind of impacience” baseado no trio op.100 de Schubert, onde para além do clássico trio (piano/contrabaixo/bateria) utilizo o violoncelo, como instrumento solista, criando uma interessante dicotomia, entre o solista e o trio, num momento claramente intenso.

Como músico e/ou arranjador, já trabalhou com músicos como Amélia Muge, José Mário Branco, Fausto, Sérgio Godinho, Janita Salomé, Vitorino, João Afonso e Tora Tora Big Band, entre outros. De que forma este trabalho mais de rectaguarda o enriquece também como músico? Esta experiência reflecte-se de alguma forma neste disco? Como?
São estas experiências que possibilitaram o meu crescimento humano e artístico… não são apenas experiências musicais (e aqui teria que referênciar cada um destes criadores demoradamente), são sobretudo partilhas que têm como denominador comum, o cunho Humanista como base. Partilhámos e partilhamos música, poesia, histórias e História… Não há Homem sem passado, e estas experiências são pontes que se estabelecem entre passado / presente e futuro e obviamente podemos encontrá-las neste disco.

Não sei se quando compõe ou toca ao vivo pensa em quem o ouve ou o pode vir a ouvir. Presumindo que sim, que sensações espera que as pessoas retirem da audição da sua música?
Quando componho ou toco, à uma tentativa de exteriorizar através da música, imagens poéticas que vou construindo, recolhidas da literatura, ou até de simples partilhas diárias…são uma espécie de quadros sonoros, que vou desenhando na estrutura formal das minhas composições e improvisações, criando uma espécie de “história” compacta, que se materializa na voz dos instrumentos.

Como vai ser o futuro próximo de Filipe Raposo?
O meu futuro próximo, será dividido entre a preparação do concerto da Culturgest dia 14 Janeiro 2012, e o meu trabalho como compositor e orquestrador.

Ouvir Filipe Raposo

foto de filipe raposo

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Rui Dinis
Author

Rui Dinis é um pai 'alentejano' nascido em Lisboa no ano de 1970, dedicado intermitentemente desde Janeiro de 2004 à divulgação da música e dos músicos portugueses.