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NETLABELS|”Comprimido” – Jorge Nunes

Rui DinisRui Dinis

Nascido do e para o rock, com experiências vividas na bateria de projectos como New Connection e Coty Cream, há já algum tempo que Jorge Nunes se tem deixado levar para outros terreiros sonoros. São eirados do experimentalismo e do improviso – de estúdio e ao vivo – onde faz uso de todo e qualquer cangalho para a criação dos mais diversos ambientes electroacústicos. Figura aglutinadora do colectivo A Naked Lunch e face da dupla criativa Mouraria Beat Ensemble, Jorge Nunes é ainda um dos pólos dinamizadores do projecto de criação artística Cápsula. Mas hoje, o tema é ele mesmo, Jorge Nunes e a sua estreia a solo. Ele só e a sua oficina, uma tal de Garagem Hermética.
No meio de toda esta efervescência criativa, Jorge Nunes abre o ano de 2009 com uma bomba em estilo “Comprimido”; qual complexo químico ou arma de arremesso a lembrar o Dr. Robert Moog – esteja ele onde estiver desejando que esteja em paz – que continua a valer a pena ter criado nos idos 60 aquele extraordinário aparelho de som sintetizado. O Moog. É ele que serve de primeiro veículo transmissor ao universo em turbilhone que aqui vem comprimido. Ele e mais alguns pedaços arrecadados ao espaço e ao tempo por um moderno iPod de toque. Mas adiante que a loucura não espera; Desespera.
Já descomprimido, começa-se a esperada viagem por ambientes meio alucinados, soturnos, os mesmo que servem de itinerário a boa parte da história a solo de Jorge Nunes. São os típicos momentos de alucinação. Associe-se Kerouac, Burroughs e restante companhia do alegre desvairo. Outros dirão bizarro. Com maior ou menor complexidade, aplicando com originalidade os princípios da escrita automática de Kerouac à sua música, em “Comprimido”, Jorge Nunes privilegia não só o som como o não-som, ou melhor, o silêncio, a forma como este perspectiva a paisagem e deixa espaço para distinguir o que nos é dado a imaginar: mensagem; uma complexidade; a perplexidade que se mantém. Banda sonora de um ambiente ficcional, “Comprimido” obriga a relevar, oferece-nos o tempo para imaginar os estranhos cenários que coexistem, perceber as personagens – pelo menos tentar, participar e perigosamente ficar. Porque o tempo não passa. Porque os relógios perderam os ponteiros. Estranho e admirável espaço de meditação este, de deambulação pela mente de mundos e coisas quiméricas; muitas coisas; todas. Sempre imaginário, mais ou menos irreal, abre-se um mundo de mistério, um enredo de personagens estranhas e perdidas, um mundo de mistério adensado pelas palavras de Kerouac balbuciadas pelas máquinas do homem. Disformes máquinas. Isto, enquanto várias cenas se repetem em diferentes episódios de um mesmo filme, numa construção típica do copy/paste da escrita fantástica de Burroughs. São seis faixas de um filme só, que se completam e sobrepõem num eterno e contínuo retorno; um ciclo vicioso de onde não se sai nunca, a menos que a fome ceda.
No fim, já perto da luz que nos há-de fulminar, fica a praia de Aljezur, o tranquilizante para espíritos em sobressalto. Para espíritos por saciar. Até que a fome ceda.

(Texto de Apresentação de “Comprimido” escrito pelo autor deste blogue)

grátis “Comprimido” – Jorge Nunes


“Comprimido” – Jorge Nunes (XS-Records, 2009)

tipo Experimental/Electrónica
sítio www.myspace.com/jorgenunes
sítio xsrecords.freehostia.com
sítio myspace.com/xsrecordsportuguesenetlabel

Rui Dinis
Author

Rui Dinis é um pai 'alentejano' nascido em Lisboa no ano de 1970, dedicado intermitentemente desde Janeiro de 2004 à divulgação da música e dos músicos portugueses.