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OLHARES|”40.02″ – peixe : avião

Rui DinisRui Dinis
Agora que o tempo escoou, passam-me pelos lábios, finalmente, algumas palavras sobre este “40.02”…
E não que fosse necessário deixar o tempo escorrer para sentir com segurança a boa energia do álbum de estreia dos peixe : avião. Não. Mas porque o tempo aclara as ideias, facilitando a concretização de algo a que chamo por vezes de ‘complexo peixe : avião’. Não é um ‘complexo’ no sentido do que é complicado, mas sim aquele que vai no sentido do conjunto das representações que encerra; representações relativas a uma nova música moderna portuguesa; representações relativas a um certo contexto internacional. Não que existam fronteiras, mais ou menos explícitas, ou que estas se firmem no horizonte como verdades absolutas; físicas, estéticas ou outras. Não. Mas porque é preciso olhar estes processos de uma forma enquadrada e sem preconceitos. Não sendo perfeito, “40.02” marca um tempo; acentua a ideia de uma nova música portuguesa.
Passemos à ideia. É uma ideia fatalmente assente na capacidade de escrever em português para uma sonoridade rock. Aqui e noutras latitudes, falamos em escrever em português para um rock alternativo; um rock mais ou menos sónico; um rock mais ou menos experimental. Aqui, não é só o exemplo dos peixe : avião que ressalta, mas é também o exemplo de uns Linda Martini, num passado recente, e de uns Aquaparque, já este ano. Não sendo únicos – sem querer esquecer a trupe folk-qualquer coisa que se reúne em volta dos colectivos Amor Fúria, FlorCaveira e Catadupa!, entre outros, esta é uma nova vaga de músicos portugueses decididos em provar que é possível escrever bem e em português para correntes alternativos do rock; e interpretar melhor. E aí, os peixe : avião marcam os seus pontos; muitos. Voz e letras, dão ao grupo de Braga a razão da sua diferenciação, quer pelo especial timbre de Ronaldo Fonseca, o vocalista, quer pelo abstraccionismo das suas palavras. Abstraccionismo perfeitamente encaixado no todo do registo; da voz, da música e da atmosfera geral. Há toda uma poesia a fazer a diferença.
Depois vem a música, quiçá a razão de maior discussão em torno destes peixe : avião. Com maior ou menor razão, com mais ou menos referências ao universo Radiohead – assumida influência, o facto é que os peixe : avião dão já neste disco o necessário e fundamental passo em frente. Parecem ser influências positivas, que o grupo aproveitou para absorver, integrar e transformar, dando-lhe um novo revestimento; um revestimento adaptado. A maqueta “Finjo a fazer de conta feito peixe : avião” era nesse sentido muito mais explícita. Genericamente, fica uma ideia de evolução, iniciada neste disco mas que noutro, o próximo,  estará certamente concluída. E aí…
Sobra a atmosfera em redor, outra das mais valias de “40.02”. A envolvência que a voz, as guitarras e os restantes pozinhos, criam em volta do som exteriorizado pelo grupo de Braga. É uma imagem esvoaçante, etérea, um discorrer por entre um certo ideal estético, cruzamento rock-indie, mais ou menos pop, e que é em si um cativante movimento de sugestão.  Introspecção.
Os peixe : avião são uma esperança. Não são um milagre. São a esperança de que é possível ser criativo nas palavras e envolvente na música. Sempre em busca de novas formas de expressão. Sem complexos. Sem milagres, acredito que há neste “40.02” parte de uma nova alma lusa. Sem milagres, acredito que há neste “40.02” apenas uma vontade de fazer bem; fazer com honestidade.

som “40.02” – peixe : avião

capa de 40.02
“40.02” – peixe : avião (Rastilho Records, 2008)

01 A espera é um arame
02 Barro e lama em mão alheia
03 Frio bafio
04 Camaleão
05 Nortada
06 Barbitúrica luz
07 Atiro ao alvo
08 Folha
09 Sabujo
10 Estátua de espanto

tipo Indie
e-mail peixeaviao@gmail.com
sítio www.rastilhorecords.com

Rui Dinis
Author

Rui Dinis é um pai 'alentejano' nascido em Lisboa no ano de 1970, dedicado intermitentemente desde Janeiro de 2004 à divulgação da música e dos músicos portugueses.