Com “Red Supergiant” nos escaparates, a trompa quis saber um pouco mais sobre o novo disco dos Miss Lava. O guitarrista Rafael Ripper fez as honras da casa.

O Título

Red Supergiant é um dos últimos estádios da evolução estelar, fase na qual as estrelas estão mais massivas e apresentam maior tensão, começando a fazer o “caminho” para a sua morte, a explosão, a supernova. Para nós, o conceito encaixou que nem uma luva porque sentimos que a banda está musicalmente mais intensa, sonoramente mais massiva mesmo. Para além disso, todo o processo foi muito tenso entre a banda. O facto de darmos o passo em frente, com produção de um elemento da própria banda, após um primeiro disco com relativo sucesso, foi sem dúvida um factor determinante na vida deste disco e, consequentemente, na nossa. Se imaginarmos que todo o processo de gravação foi gerido e implementado por nós, e que pelo meio contou com braços partidos, discos com todas as gravações apagados e milagrosamente recuperados com software duvidoso quando já todos diziam que mais valia gravar tudo (!!!) de novo, um tipo que ganhou grammies no outro lado do mundo a perguntar quando chegava o material e deadlines sucessivamente adiados, dá perceber que este “gigante” consumiu-nos até a exaustão. Mas também nos iluminou. Como uma estrela.

A Produção

Para nós, dificilmente o conceito de produção pode ser levado tão a fundo como o deste álbum. Desde as prés até a masterização final, passando obviamente pelo alinhamento das composições, pelo coaching para tirar o máximo de cada interpretação, tudo fez parte. E o facto de o produtor ser um dos membros da banda (Samuel Rebelo, o baixista) pode fazer parecer que tudo foi mais fácil, mas na verdade não foi. Produzir é um processo muito “escatológico”, se nos permitem. Abres e mexes e remexes tudo lá dentro. Pões tudo cá fora. Completamente exposto. Às vezes dói, às vezes não. Mas, se dói, é porque provavelmente estás a pôr o dedo na ferida como deve ser. E isso é bom, quando é tudo feito às claras, porque ganhas maturidade e focas-te no que queres para o disco. Agora, imagina chegares a Los Angeles e dizeres ao Matt Hyde (que já trabalhou com os Slayer, os Monster Magnet e outros montros, já recebeu grammies e etc…) algo como: “eh pa, olha, isto não está bem lá, é mais por outro lado, sabes?”. E depois imagina reforçares: “não, ainda não é bem isso…” E isto até chegares ao sítio certo. Aí, sentes-te completo. Ouvir o disco hoje em dia, “loud and proud”, enche-nos de orgulho. Estamos muito mais banda e muito mais conscientes do que é Miss Lava musicalmente após este processo de produção com o Samuel.

A Mensagem

Neste disco, cada música fala por si. Cada letra tem o seu vibe, o seu espaço. Mas a haver uma linha comum a todas, diria que são pequenas viagens introspectivas em diferentes estados de espírito. O objectivo principal é que toda a gente consiga relacionar-se de uma forma ou outra com as temáticas. Tentamos ser bastante descritivos para quem oiça as músicas se sinta transportado para diferentes ambientes, alguns bastante familiares. Mais concretamente: em “Desert Mind” a letra é uma viagem surrealista na mente de uma pessoa que está desgastada e cansada, como se a sua mente fosse o deserto e é por lá que se esconde e é por lá que vai perdendo força; “Lay Down” é sobre a necessidade que às vezes cada um de nós tem de fechar os olhos e libertar a mente, perder os medos, “matar” o que nos prende, o chamado pensar fora da “box” ; “Feel My Grace” é um hino à libertação hedonista; “Ride” explora uma introspecção solitária, o sentimento de distância e diferença isoladora e a resistência a experiências novas; “Crawl” retrata uma realidade deturpada por alterações químicas no cérebro, uma metáfora sobre uma doença mental, como se de uma droga se tratasse; “Yesterday’s Gone” é o virar de uma página na tua vida após uma relação amorosa muito pouco saudável; já “Red Supergiant” fala de uma enorme perda, fala de culpa, fala da morte de alguém que nos foi muito próximo e que nos conseguiu afastar da escuridão, flui aquele sentimento de olhar para trás e a injustiça de saber que até as coisas boas um dia acabam. São alguns exemplos…

A Sonoridade

O som está mais orgânico, parece-nos. Sentes a banda mais bruta, mas também sentes a banda mais mellow quando é necessário. E isso é Miss Lava. Ouves um “Lay Down” e é das coisas mais pesadas que já fizemos. Passas por um “Feel My Grace” e sentes aquele groove rockeiro mesmo LA. Mas se saltares para a “Red Supergiant” vês-nos a viajar por universos floydianos em que nunca havíamos navegado. E soa tudo vindo da mesma origem. É tudo Miss Lava.

As Referências

É engraçado falar em referências neste disco. Não sei muito bem. No outro dia ouvia uma entrevista com um músico português (não me recordo o nome, mas era um da nova geração indie que acabava de lançar o primeiro disco) e ele dizia uma coisa interessante. Algo como “quando começas um projeto tens sempre muitas músicas que queres fazer, o que é normal porque estás ainda agarrado a um vasto universo de referências… queres no fundo fazer todas aquelas ideias que sempre gostaste na tua descoberta da música em si… quando passas essa fase, parece que fica mais difícil, e é então que descobres quem tu és enquanto compositor, limpo de uma presença à superfície dessas mesmas referências”. O que quero dizer com isto é, provavelmente, as maiores influências que tivemos neste disco fomos nós próprios, as nossas vidas, todos os nossos concertos, jams nos soundchecks e nas intros dos gigs, e claro, todas as bandas com quem tocámos. Às vezes mais as bandas portuguesas, com quem convivemos mais, do que as bandas estrangeiras. Por outro lado, se quiseres, estivemos mais soltos para ir buscar referências mais estruturais para cada um de nós enquanto músicos. Acho que cada um de nós foi buscar aquilo de que realmente gosta, fruto deste crescimento enquanto músico (individual e em banda), para a banda. No meu caso, tudo o que tem base blues. Seja no death metal dos Entombed, no rock dos Guns, no stoner dos Kyuss ou brilho dos Monster Magnet. Por aí. E por algumas coisas do Gilmour. Pelo menos, gosto de pensar assim.

A Novidade

Acho que a principal diferença em relação ao “Blues” é a intensidade deste disco. Entre nós, costumamos dizer que este disco é mais massivo que o anterior. Acho que isso tem a ver com o nosso crescimento enquanto banda, com a consciência musical que temos vindo a ganhar. Sentes as composições mais focadas, menos dispersas, e isso faz com que cada música tenha mais força. Têm uma vida própria mais vincada. Têm mais personalidade. Consegues ter um “Desert Mind” que vive de um surrealismo lírico acompanhado por constantes mudanças rítmicas, um “Crawl” em que sentes o peso de uma submissão relacional, o “Hole to China” em que viajas por tonalidades contrastantes ou a “Yesterday’s Gone”, um power groove para enterrar bem fundo o que queres deixar para trás. Sentes uma banda muito mais banda. Sentes muito mais ligação entre música e mensagem.

A Internet

Tudo de bom. Para começar porque estamos aqui n’A Trompa. Depois, porque se não houvesse internet provavelmente esta banda não teria feito metade das coisas que fez – desde exposição e relacionamento com público até contactos com editoras, venues ou outras bandas para tocar. Nós fomos tocar ao Whisky a Go Go e a Inglaterra através de mensagens que trocámos no Myspace, por exemplo. O processo com o Matt Hyde ou com o Jens Bogren, que trabalhou no disco anterior, também foi parecido. E até consegues vender a tua música melhor na net. Qualquer pessoa em qualquer ponto do mundo consegue encomendar-te e fazer-te um pagamento via paypal ou assim. E daqui a uma semana que sabe o que se vai seguir?

A Internacionalização

Até agora tem tudo corrido muito bem. Vamos falando com malta de blogs, de editoras, de bandas… recolhendo feedback, que tem sido maioritariamente positivo. Já tocámos em Inglaterra duas vezes e no Whisky a Go Go em Los Angeles. Tivemos outras oportunidades que por uma razão ou outra não se materializaram. Com o novo disco, os contactos reforçaram-se e estamos a estudar umas quantas datas lá fora (Europa) em 2013. Temos falado com pessoal de Inglaterra, Espanha, Suécia, Alemanha e França. Vamos ver o que acontece.

Os Concertos

Os concertos têm sido fantásticos. Já temos tocado muitas músicas novas e o público tem reagido sempre bem. Este ano até estivemos em eventos grandes, como o Rock in Rio (palco Vodafone) e a Concentração de Faro, mas nos Miss Lava há uma realidade que nos deixa particularmente felizes e, se quiseres, a sentir “que estamos vivos”. Esta é uma banda que tanto pisa grandes palcos como se joga ao chão num bar refundido num beco qualquer. E esperamos continuar sempre assim. Para já, temos 11 datas até dezembro. Começamos com os suecos Truckfighters e percorremos Lisboa (Ritz a 27.09), Leiria (Texas Bar a 28.09), Coimbra (States Club a 29.09) e Porto (Hardclub a 30.09). Depois, no início de Novembro, os nossos amigos Alternative Carpark (UK) juntam-se no excelente Phantasticus II em Almada e ainda vamos com eles a Viseu. Segue-se Évora na Sociedade Harmonia Eborense lá mais para o fim do mês e entramos em Dezembro a matar saudades dos nossos amigos no Bafo de Baco em Loulé, um dos melhores locais para se tocar e ver música ao vivo em Portugal. Pelo meio, ainda voltamos ao Music Box!

O Futuro

O plano é infalível: tocar tocar tocar, fazer muitos vídeos e muitas crianças. Hehehehhe Talvez negociar o disco lá para fora… Vamos ver. Só queremos divertir-nos e ser espontâneos. O resto vem por acréscimo!

Miss Lava – “Red Supergiant” (Raging Planet, 2012) | ROCK |Ouvir Miss Lava
www.myspace.com/ragingplanetrecordsportugal
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By Rui Dinis

Rui Dinis é um pai 'alentejano' nascido em Lisboa no ano de 1970, dedicado intermitentemente desde Janeiro de 2004 à divulgação da música e dos músicos portugueses.