Tudo começou num simpático convite do mentor do projecto, David Valentim. O projecto reunia num só disco músicos de Portugal, Hong Kong e Macau, num trabalho colaborativo, à distância. A proposta era aliciante e face a tal honra, acabei mesmo por aceitar. Tal como prometido, eis o pequeno texto que escrevi e que acompanha a edição de “T(h)ree”:

E como chegámos nós aqui? Sabe-se que em Portugal a música dos últimos 50 anos foi claramente marcada por dois momentos, separados no tempo por apenas um dia: 25 de Abril de 1974.O dia em que a Revolução trouxe consigo a liberdade de expressão; de escolha; de ser diferente. Até aí, a música rock em Portugal era algo com pouca expressão e pouquíssimos privilégios nos média. O Estado Novo fascista privilegiava o ligeirismo de um nacional-cançonetismo, o folclore e o fado de Amália e seus pares. Ainda assim, a medo, davam-se os primeiros passos. Os Sheiks destacavam-se no período yé-yé luso de início dos anos 60. Em finais desta década, o Quarteto 1111 e a Filarmónica Fraude ofereciam-nos uma poética e um psicadelismo únicos. O rock progressivo evoluia com os Petrus Castrus. A música popular de intervenção ganhava espaço, liderada pela figura de José Afonso. Portugal arrepiava-se com a genialidade da guitarra portuguesa de Carlos Paredes.
Com o Abril de 74, as palavras ganharam outra força e o rock nacional evolui pelos anos 80 adentro em muitas outras direcções. Nascem nomes como UHF, Xutos & Pontapés, Go Graal Blues Band, Heróis do Mar, GNR, Arte & Ofício, Rui Veloso, António Variações, Jafumega, Rádio Macau e a fantástica Banda do Casaco. Dava-se o ‘boom do rock português’ do início da década de 80. Em cerca de três anos, editaram-se uma enormidade de discos, nem sempre com muito critério. Esta euforia libertária terminaria com uma segunda metade de década de absoluta ressaca. Todavia, neste período, nasceriam alguns dos nomes mais importantes de sempre da cena alternativa nacional; Mão Morta, Pop Dell’Arte, Sétima Legião ou Mler ife Dada, são alguns deles. O rock nacional estava de regresso ao underground.
Chegados aos anos 90, outros caminhos se trilhavam. É a década da afirmação nacional e internacional do classicismo dos Madredeus. O álbum “Rapública” apresentava o movimento hip-hop ao país e nomes como Sitiados, Clã, Pedro Abrunhosa, Da Weasel, Cool Hipnoise, Três Tristes Tigres, Silence 4, The Gift e Ornatos Violeta, entre outros, davam outra cor ao pop-rock nacional. O metal ganhava um nome de peso: Moonspell.
O Séc. XXI traz consigo a expressão clara da evolução em termos de qualidade da música portuguesa nos seus mais variados quadrantes – geralmente, longe do mainstream. Com ele, afirmam-se também novas formas de comunicação e interacção social através da Internet. É exactamente neste contexto que nasce o projecto T(h)ree. Músicos de Portugal, Macau e Hong Kong, dão expressão a esta nova realidade, compondo temas em conjunto, à distância, nunca permitindo que esta arrefeça a sua fúria criativa. Influenciados ou não pelo que aqui se disse, estas são algumas das sonoridades do Séc. XXI português: a fina electrónica dos Hipnótica; a pop evangelizadora de Tiago Guillul; a genialidade da guitarra de Norbeto Lobo; o sensacional rock instrumental dos The Allstar Project; a electrónica alternativa de Erro!; a delicada pop electrónica de Balla; o electro-pop afadistado de A Naifa; o insinuante psicadelismo dos Ölga; a minuciosa electrónica de Kubik; o vigoroso gótico-industrial dos f.e.v.e.r; a poesia sonora de Bernardo Devlin; o fascinante hip-hop jazz de Rocky Marsiano; o fresco pop-rap dos Macacos do Chinês; a electrónica experimental de [ch’os]; a renovada pop dos AbztraQt Sir Q.
“T(h)ree” é a síntese feliz de duas realidades deste início de século: a qualidade crescente da música criada em Portugal e o factor socialmente agregador da Internet. A música está hoje ao virar da esquina e o resto do mundo também. Onde é que íamos?

Ouvir “T(h)ree”

capa de T(h)ree
“T(h)ree” – Vários Artistas (Bloom Creative Network, 2010)

www.bloomland.cn
www.bloomland.blogspot.com

By Rui Dinis

Rui Dinis é um pai 'alentejano' nascido em Lisboa no ano de 1970, dedicado intermitentemente desde Janeiro de 2004 à divulgação da música e dos músicos portugueses.

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