23 canções de 23 projectos em 23 dias…
Começa hoje um grande Especial d’a trompa dedicado ao 4º volume das colectâneas “À Sombra de Deus”. O desafio é simples e tem como ponto de partida as cinco letras da palavra BRAGA. Numa reflexão completamente livre, que palavras nos suscitam as letras B, R, A, G e A? Sobre Braga? Sobre a música? Sobre a crise? Enfim, não há restrições à reflexão. Cada um dos 23 projectos participantes na colectânea terá a oportunidade de se exprimir.
Para começar, como não poderia deixar de ser, eis os maiores impulsionadores do projecto. É a perspectiva dos inultrapassáveis Mão Morta.
B – BRAGAS: É uma velha palavra, ainda comummente usada no ramo galego do galaico-português e no castelhano, sinónima de cuecas. É equivalente à palavra francesa “culotte”, que originou a expressão “sans culottes” (sem cuecas) para designar aqueles que nada tinham e cujo ímpeto revolucionário foi essencial ao desfecho vitorioso da Revolução Francesa; já as nossas bragas originaram o termo desbragado, isto é sem cuecas, para designar aquele que é guiado pelo ímpeto desenfreado dos sentidos. A ironia do acaso fez com que Braga (termo que remonta à expressão “galli braccate” (celtas bragados, isto é “de calças”) com que os romanos identificavam o povo da região, génese do nome Bracara Augusta com que baptizariam a cidade, de que Braga é deriva directa) viesse a ser a urbe onde o poder eclesiástico das “Hespanhas” assentou sede, criando assim uma paridade psicológica entre a cueca e o regramento da moral e dos sentidos representado pela Igreja. Deste modo, para um bracarense, desbragado apresenta o significado adicional do acto de libertar-se de Braga, isto é da cueca mental, do espartilho comportamental que a cidade religiosa modela. Daí o nosso apego ao desbragamento, a única acção que nos liga indelevelmente à cidade de Braga e, simultaneamente, nos aparta dela…
R – ROMA: É o cognome de Braga, sobretudo porque, à semelhança da capital italiana, as suas ruas e praças estão infestadas de igrejas. Infelizmente, a escala é bem mais modesta na nossa Roma, quer na dimensão urbana quer na monumentalidade das construções. E também a luz não tem qualquer comparação, aproximando-se mais o nosso “penico do céu” do cinzentismo de uma qualquer cidade inglesa do que dos ocres e azuis fulgurantes que emprenham a cidade italiana… Mas para além da profusão de igrejas, também Roma marcou a cidade dos arcebispos, quando epicentro do império romano, ao dar-lhe o nome e ao deixar-lhe as suas mais provectas ruínas.
A – AMOR: É um anagrama de Roma e talvez a palavra mais gasta do léxico bracarense, sempre na ponta da língua de curas e demais dignitários da Santa Madre Igreja – ele é o amor a Deus, o amor de Deus, o amor ao próximo, o amor divino, etc.… Paradoxalmente, é uma das palavras mais vazias de sentido no quotidiano da cidade, marcado pela convivialidade perversa, a raiar a crueldade infantil, com que o tédio se entretém a enganar a frivolidade do custoso passar do tempo. Esse tédio contra o qual a música, para quem não migra em busca de paragens mais afáveis, constitui refúgio e antídoto eficaz.
G – GUIMARÃES: Local de vilegiatura dos Condes Portucalenses, onde nasceu e foi baptizado o seu filho Afonso, futuro fundador do Reino de Portugal. Continua a ser Espanha para os bracarenses mais empedernidos, quando têm de puxar dos galões, numa expressão da rivalidade provinciana e pacóvia que germinou com o revisionismo nacionalista do Estado Novo. É o espelho conformador com que Braga gosta de ajeitar a sua identidade, num retorno imberbe ao grau zero da existência. Já para um bracarense mais arejado é uma bela cidade, que dá prazer visitar, e onde pode colmatar a falta de oferta cultural que, hoje, asfixia a velha capital dos Suevos.
A – ANTIGA: É o melhor adjectivo para descrever a cidade, cuja existência remonta à época pré-romana. Apesar disso, os vestígios físicos da sua antiguidade são raros – desde o velho castro da Cividade, sobre o qual, cerca de 20 a.C., foi fundada a Bracara Augusta romana, que no séc. II viria a ser uma referência na Península Ibérica, até às muralhas construídas no séc. III, nada resta a não ser algumas, parcas, ruínas desenterradas. Também nada resta de visível do tempo em que foi capital da província romana da Galécia, no séc. IV, ou do reino dos Suevos, no séc. V, nem da passagem dos Godos (séc. VI e VII) ou dos Mouros (séc. VIII). A exemplo da sua Sé Catedral, erigida no séc. XI, a história de Braga é feita de sucessivos
arrasamentos e reconstruções, tradição que ainda hoje se perpetua. O resultado é que já só restam, na malha urbana, vestígios do séc. XVIII em diante. O que não impede que Braga
continue a ser uma cidade antiga…
| ALTERNATIVA | Ouvir Mão Morta
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