Um choque? A confirmação? Mas não, pasme-se: “Lady Cobra” não é um disco surpreendente, mesmo que o inicial “E se a Bela for o Monstro” seja por demais excitante – como tudo o que se lhe segue. A estupefacção? Sejamos rigorosos, não será surpreendente para quem conhece a curta história dos Riding Pânico; uma história redigida através de dois EP e alguma rodagem pelos parcos palcos deste país. Na verdade, apetece exclamar:
– Riding Pânico de corpo inteiro, finalmente!
Por outro lado – agora o certo, “Lady Cobra” é um disco surpreendente – mesmo que não o seja, sendo de todo reconfortante tomar consciência como o septeto lisboeta ultrapassou algum possível receio existente em redor do primeiro álbum, advindo de alguma ansiedade criada por uma actividade anterior já de si reconhecida. Mas então? Não, “Lady Cobra” não é um disco surpreendente – mau Maria!, “Lady Cobra” é apenas a confirmação de uma maioridade, do estado de maturidade criativa e estética a que chegaram os Riding Pânico. Um estado emocional superior que lhes permitiu libertarem-se, expandindo-se criativamente. Sem vozes, apenas com a electricidade; psicadélica, melódica…interiormente vibrante.
Eléctrico, espaçadamente denso, pintalgam de intensidade abstractas paisagens urbanas, cheias, escuras, perdidas de multidão“; frase escrita por aqui por ocasião do primeiro EP do grupo, continua em “Lady Cobra” a fazer todo o sentido. Muito sentido. Diria mesmo que até se acentua. É uma tensão controlada, a que ressalta de cada argumento traçado para este disco; a manhã, o sol, o vento, a chuva, a tempestade, a noite, o sonho – são ambientes. Nunca a tentação do ensurdecedor abraça os Riding Pânico, há antes uma tensão constante situada algures entre o hipnotizante e o explosivo, um lento caminhar que não se esgota numa qualquer ideia de pós-rock, pós-hardcore ou pós-qualquer coisa. “Lady Cobra” deixa conhecer uns Riding Pânico mais expansivos, livres, mais criativos e construtores de uma sonoridade fundamentada num crescendo de electricidade, postada entre uma bateria de início preguiçosa – depois bem nervosa – e umas guitarras em extensão – depois em distensão, qual introdução de um movimento cíclico e repetido a cada faixa; e como esquecer a beleza acústica do piano nos belíssimos interlúdios “Naja” e “Àspide”? – sem esquecer a presença da harpa de Eduardo Raon e do violoncelo de Daniela Rodrigues.
Puro deleite, deixar a imaginação participar na construção das paisagens sónicas expostas, quase sempre contundentes na sua síntese. A reconstrução mental de todo um cenário, qual movimento ritualístico em volta de uma ideia – há quem lhe chame comunhão. Uma ideia de rock instrumental portentoso, ambiental, atmosférico, qualquer coisa com muitas cores, muitas tonalidades, nem sempre muito definidas, mas quase sempre encantatórias. E depois, dá sempre que pensar; pensar que ao vivo os Riding Pânico transfiguram-se e são ainda melhores; o limpo vira sujo; a deambulação vira geralmente crispação. Aqui, “Lady Cobra” cumpre o seu papel.
Intenso. Afinal, surpreendente. Grande disco.

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“Lady Cobra” – Riding Pânico (Raging Planet, 2008)

género: rock
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By Rui Dinis

Rui Dinis é um pai 'alentejano' nascido em Lisboa no ano de 1970, dedicado intermitentemente desde Janeiro de 2004 à divulgação da música e dos músicos portugueses.