CRÍTICA“Nus” – Mão Morta

Na gíria futebolística os Mão Morta são como aqueles jogadores que não sabem jogar mal. Pois não! Daí que, o factor de apreciação recai quase sempre na capacidade que estes têm de nos espantar, pelo grau de espanto operado em cada um de nós.
Resumindo desde já: Nus não é o melhor disco dos Mão Morta, mas é um grande disco. E onde paira o espanto? Gumes Gumes Gumes e mais Gumes, repetidamente. Devo confessar, o resto ainda que extraordinário pouco me espanta, senão talvez o arrepio frio e vazio de Morgue.
Agora Gumes, esse genial monumento musical de 25 minutos e picos, poema sonoro dividido em oito momentos divinos de uma experiência fabulosa, divergente, convergente, confusa, bela. Gumes é o grande elemento de espanto de Nus pela esplendorosa dinâmica alternante do seu registo sonoro, ora mais electro, ora mais orquestral, ora mais sujo ora mais transparente, sempre em intenso delírio.
Depois de uma “vontade de fugir ao inóspito vazio do tempo da ausência…” gritam-nos num segundo momento “Acção! Isto é um assalto!…Todos de mãos no ar!” numa fenomenal e violenta escalada sonora que nos deixa alerta, encostados à cadeira e preparados para o engano. Claro que há violência, mas é diferente…e o prazer continua num “estou farto disto, não posso mais, todos os dias, passam iguais” seguido por um orquestral e embalador rei que mimado está.
A surpresa é constante, a incógnita fulminante do elemento seguinte, a diferença de registos, a competência e o prazer esse sim, paira por todos os gumes, até que chegamos ao estranho de fabuloso…
“- Ouviste o que disse o aquecedor?
– Como?
– Repara na luz. Repara como muda de intensidade… Está a dizer qualquer coisa!”
…diálogo entre Adolfo e Pedro Laginha. A audição repetida de Gumes é um prazer que se repete e repete a cada audição, qual elemento de fascínio de Nus.
E depois?
Depois temos mais seis temas, seis temas de Mão Morta, bons temas, mas arredados do tal espanto, da tal capacidade hipnótica, parece antes um revisitar do passado em grande estilo. Há um Gnoma com Miguel Guedes de orelhas em pé e às vezes vazio. Há uma Vertigem de facto, em espasmo. Há Estilo, pois há mas qual é a novidade. Há Tornados. Há guitarras brilhantes e em força em Cárcere. E há uma Morgue que nos leva para outra dimensão, a dimensão da serena morte, doce e branca mas fria como um arrepio. É incrível como se representa uma Morgue assim.
E depois há as palavras, penetrantes, sempre as palavras e a louca harmonia com que estas se encravam sem dó na libertação sonora desta Mão Morta.
Não é o disco perfeito mas é um grande disco.

“Nus” – Mão Morta (2004/Cobra/Blitz)

01 Gumes
02 Gnoma
03 Vertigem
04 Estilo
05 Tornados
06 Cárcere
07 Morgue

Sítio: www.mao-morta.org

By Rui Dinis

Rui Dinis é um pai 'alentejano' nascido em Lisboa no ano de 1970, dedicado intermitentemente desde Janeiro de 2004 à divulgação da música e dos músicos portugueses.