É mais um dos nomes incluídos no 4º volume das colectâneas “À Sombra de Deus”.

Depois de Mão Morta, Vai-te Foder, At Freddy’s House, Dead Men Talking, Ermo e Hunted Scriptum, hoje, é dia de Estilhaços. É dia de recordar o espectáculo de spoken word criado e desenvolvido por Adolfo Luxúria Canibal (voz) e António Rafael (piano e programações).

B – BORBOLETA: A borboleta simboliza o movimento e a ligeireza, como o fulgor repentino que se desprende da poesia, a transformação que nos ilude a razão e nos deleita os sentidos. Insignificante e ao mesmo tempo essencial, com os seus graciosos arabescos aéreos e a sua volubilidade polinizadora, dá vida e cor às longas tardes de verão – exactamente como o poema, que nos enche a alma de fragrâncias sonoras e imagens delicadas. São estas as sensações que procuramos captar e fazer cintilar.

R – RESERVA: Como as larvas de borboleta, somos vorazes na obtenção de matéria, de alimento, brutos, indiscriminados, ansiosos. Essa matéria é a nossa reserva, o informe, de onde um dia, quando menos esperamos, irradiam a palavra e a música que nos elevam em piruetas de fantasia por sobre o previsível e o vazio da existência.

A – ALICERCES: No princípio, como toda a gente sabe, era o verbo. A partir dele, segundo a mitologia, Deus criou o mundo. Também nós temos no verbo os alicerces do nosso mundo, o mundo que criamos com os detritos e as sobras do mundo de Deus. O nosso maravilhoso mundo poético e sonoro.

G – GESTAÇÃO: A metamorfose da borboleta acontece no casulo, onde passa de larva a imago. É a sua gestação. A nossa gestação, a gestação do nosso maravilhoso mundo poético e sonoro passa-se algures num recôndito canto confidencial do cérebro, lá onde o inconsciente depura as memórias e burila os sonhos. É aí que o poema ganha sentido e ressonância.

A – AMADOR: “Transforma-se o amador na coisa amada”, como o dizia Camões, antecipando a metamorfose artística que nos serve de cartilha. Amamos a palavra, o poema, somos amadores no seu sentido mais puro, e por via desse amor, na medida em que amamos, transfiguramo-nos nessa palavra, nesse poema, que nos serve de objecto. Fazemo-lo nosso. É
isto Estilhaços.

à sombra de deus

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By Rui Dinis

Rui Dinis é um pai 'alentejano' nascido em Lisboa no ano de 1970, dedicado intermitentemente desde Janeiro de 2004 à divulgação da música e dos músicos portugueses.