Uma coisa é certa. Poderão ser mais, mas pelo menos uma é certa. Não se fica indiferente à música de Bernardo Devlin. Também não é uma sensação de agora, é verdade, mas não se fica indiferente. E também não é difícil perceber que alguns a amem e outros a estranhem e que o mais incauto, pergunte mesmo: para onde vais Bernardo? A certeza é que em toda essa diferença, “Ágio” é apenas mais um capítulo. Uma capítulo que se diferencia pelo todo; pela música; pela voz; pelas palavras; pelo conjunto. Sejam bem-vindos ao mundo fantástico de Bernardo Devlin.
Como ideal de experimentação, “Ágio” não foge ao ideal de sempre de Bernardo Devlin; seja nos Osso Exótico – ainda que noutra perspectiva, onde foi co-fundador, seja como compositor dos seus três trabalhos anteriores: “World Freehold” (AnAnAnA, 1994), em colaboração com o saxofonista Oliver Vogt; “Albedo” (Ananana, 1997); “Circa 1999 (9 Implosões)” (ExtremOcidente, 2003). “Ágio” é nesse sentido um disco de continuidade. Não sendo sempre óbvia, a ligação aos seus trabalhos anteriores é ainda assim inequívoca, mas também evolutiva, prosseguindo como já disse por aqui em tempos, o “contínuo movimento explorador(…); qual explorador da arte musical, uma diferente, qual explorador das palavras, da forma como combinam no som e no silêncio“. É este movimento que mantém o trabalho de Bernardo Devlin original e assaz interessante. É uma vontade única que se mantém. Uma vontade que se expressa na forma como as palavras equilibram o som e o silêncio, desenhados ora sobre uma electrónica minimal, a espaços maquinal, outras vezes até retumbante, ora sobre uma base rock – mais ou menos típica. Falo numa composição absolutamente cénica, em velocidade, género e estilo. Falo do cenário, da fina camada onde a expressividade de “Ágio” assenta. As palavras.
As palavras, subtis, contam com algum mistério uma qualquer história. Despertam a dúvida. “Ágio” transporta-nos para essa realidade dúbia, diversa, diferente mas real, própria de uma cidade também feita cenário, com os seus tempos próprios para viver. É também o palpitar de uma Lisboa diferente. O ritmo próprio do coração a bater. As palavras que se sopram por entre a confusão e o silêncio. A voz hipnotizante.
Com “Ágio”, voltamos a lembrar-nos que muitos são os caminhos tomados pela nova música portuguesa. E que enquanto não chega o novo registo, “Croma Key”, é mesmo tempo de descobrir “Ágio”. Sim, é uma descoberta que se faz. Devagar.

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capa de Ágio
“Ágio” – Bernardo Devlin (Sinal 26, NAU, 2008)

01 Desvio para o Vermelho
02 Forum Tenebrae
03 Turno da Noite
04 Cityrama
05 Volte Face
06 Imaviz
07 Citrus
08 Solário

género: alternativo
sítio

By Rui Dinis

Rui Dinis é um pai 'alentejano' nascido em Lisboa no ano de 1970, dedicado intermitentemente desde Janeiro de 2004 à divulgação da música e dos músicos portugueses.