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OLHARES|”Eu Não das Palavras Troco a Ordem” – Nerve

Rui DinisRui Dinis

Não; não é muito convencional o rap de Nerve. Mas sabem que mais? É muito bom.
Já o tinha dito antes e volto a afirmá-lo, “Eu Não das Palavras Troco a Ordem” é uma enorme, enorme surpresa; maior ainda para quem tinha Nerve como um estranho. É extraordinário o nível de amadurecimento que o rapper de Abrantes mostra já, neste seu novo álbum. A rimar a sério apenas desde 2003, Nerve tem neste disco uma resposta em sentido contrário ao lado mais ‘old school‘ do rap. Não é pior nem é melhor – seja lá o que isso for, para já, é muito diferente.
Mas não, não é muito convencional; muito perguntarão com facilidade: Mas isto é rap tuga? É e não é. É porque é sobre a rima e o beat que o disco quase sempre se desenvolve – quase sempre, e não é, porque é muito mais do que uma simples e maquinal combinação da mesma rima e do mesmo beat. Há neste novo disco de Nerve, e desde logo, uma saudável loucura que o trespassa, ao comprido. O próprio título do álbum é disso indiciador; não raras vezes tudo parece andar ao contrário, em rotações diferentes, parecendo ao mesmo tempo estar tudo no sítio certo. Confusos? Para isto, muito contribuiu o interessantíssimo trabalho de produção que lhe é inerente – geralmente desconcertante. É este carácter até algo anárquico dos arranjos, que faz do disco de Nerve, uma das propostas mais originais que passaram por aqui nos últimos tempos – dentro do género.
Há dias, sobre este, dizia que “não é só a lírica que sobressai, é especialmente o som experimental que acompanha as suas rimas“; hoje, é ainda mais forte essa sensação – ainda mais estranha. A uma lírica bem trabalhada, quer nas letras – com um curioso nível de abstracção, quer na interpretação – de alguma teatralidade, Nerve aplica uma sonoridade diferente, feita de beats, samples e de ambientes muito próprios e diversificados, causadores de uma realidade que é a realidade de Nerve. Nesta, destaque-se efectivamente a incrível diversidade dos arranjos, é ela que confere ao novo disco de Nerve toda uma originalidade que lhe é intrínseca; há um efeito surpresa, uma sensação de ansiedade que se renova faixa após faixa – sempre diferente. Ás vezes, é complexa a sonoridade de “Eu Não das Palavras Troco a Ordem”, não sendo difícil, ao mesmo tempo, perceber as influências que o soul, o rock, o blues e principalmente o jazz, têm na música de Nerve. Bem vincada que é a vontade experimental do músico, este é um registo marcado pela exploração de uma certa urbanidade, uma postura que não se fecha em ideias pré-concebidas, preferindo antes partir para um mundo novo de experiências. Nerve está nesse mundo. Um mundo onde tudo parece distorcido, estranho e abstracto; um mundo assustadoramente real. Um mundo partilhado por uma mão cheia de convidados.
Depois do lançamento em 2006 do EP “Promoção Barata” e da participação na compilação “Bota Sentido” (Matarroa), Nerve mostra-se em 2008 com um álbum verdadeiramente surpreendente.
A ouvir; já!

som Nerve.


“Eu Não das Palavras Troco a Ordem” – Nerve (Matarroa, 2007)

01 E.N.P.T.O.
02 Conselhos por Segundos
03 Sacana Nervoso
04 A Semente do Mal
05 Pedragelo
06 Lápis de Cera
07 Alter Ego
08 Preguiça
09 Vizinho de Cima
10 N.E.S.
11 Halograma
12 Ponto de Fuga
13 Última Noite
14 O Serviço
15 Sujo
16 Restos

Rap/Experimental
www.myspace.com/nervespace
www.matarroa.com

Rui Dinis
Author

Rui Dinis é um pai 'alentejano' nascido em Lisboa no ano de 1970, dedicado intermitentemente desde Janeiro de 2004 à divulgação da música e dos músicos portugueses.