O tempo não é muito nem espera. Esta é uma altura do ano em que o tempo escasseia e procurar-lhe uma brecha é tarefa quase hercúlea. Vai daí, abram alas para as duas enormes recordações que se avizinham; não tanto pelo impacto causado nas massas, mas antes pela influência que tiveram – e continuama a ter, assim acredito – em alguma da moderna música nacional. São memórias de duas das mais importantes – e interessantes – experiências da música popular nacional; experiências que o tempo vai tratando de fazer esquecer…cada uma e à sua maneira, vivendo o delírio da electrónica e da poesia, da mensagem e da samplagem. Histórias da música portuguesa em dia do ressuscitado…

Ocaso Épico
1981 é a data do início…
É também uma questão de saudade. A saudade que uma figura como Farinha Master pode deixar no círculo da história da música nacional. Ocaso Épico, na altura, década de 80 em diante, era assim como uma espécie de OMNI (tirem o voador e coloquem o musical), posicionado na charneira da modernidade electro-experimental lusa, caído para alguma teatralização, também. Olhando para o seu principal legado, “Muito Obrigado” (LP 1988, Dansa do Som), foi a sua ‘pequena’ revolução, rebelião criativa e total quer em disco quer em palco – bela recordação a de uma noite no RRV, antes do lançamento de “Muito Obrigado”. Electrónica solúvel em letras surrealizantes e interventivas num género de electro-pimba pós-moderno. Depois são recordações…do “Café Cucerto”, do “da Beira-Baixa à Estremadura” and so on, and so on…Épico, até no ocaso.
Farinha Master faleceu a 18 de Fevereiro de 2002.


> Foto: Rogério Vital

Lucretia Divina
Agora, década de 90 em diante…no país de Alagoa&Valor e Cia num projecto artístico inesquecível…
Outra grande memória, menos distante no tempo, menos presente na memória; marcada na história por audições intermitentes da bandeira desta Lucrécia…Oh Maria…
Estranha sensação. Ainda hoje, a audição de “Maria” suscita neste escriba a mesma estranha loucura de uma primeira vez. À distância, exemplos como Lucretia Divina, representam uma dupla imagem e dificuldade. Primeira, a de nos centrarmos na época, recuramos 10 anos – mais coisa menos coisa – libertos de experiências posteriores e regressarmos à consciência do quão vibrantes e originais eram estes viseenses. Lucrétia Divina” era o fresco fulgor de um Portugal musical – por vezes – em libertação – Ocaso Épico já o era também. Após esta regressão, e de volta à realidade actual, percebemos que afinal, mesmo enegrecidos por um interior esquecido, este é um exemplo que sobrevive, um género que influencia. É uma estranha paixão…
Poesia sonora em movimento ou a comédia da vida electro-teatralizada…entre muitas outras, sobram as boas recordações de “Lili Marlene”, “Cartel de Sevilha”, “Saudade!” e claro, “Maria”.
José Valor, um dos fundadores dos Lucretia Divina, faleceu a 5 de Dezembro de 2004.


> Foto: Retirada de rockemportugal.blogspot.com

By Rui Dinis

Rui Dinis é um pai 'alentejano' nascido em Lisboa no ano de 1970, dedicado intermitentemente desde Janeiro de 2004 à divulgação da música e dos músicos portugueses.