Sem saber muito bem o que esperar – realmente, apenas que a apelidavam já de obra-prima – com algum exagero, acho que genericamente contava com um filme-documentário próximo da realidade histórica do fado – a presença de Rui Vieira Nery como consultor de musicologia dava a máxima garantia. Acho que foi esta a grande desilusão; um argumento com uma estrutura pouco clara, assumindo preferencialmente uma visão algo livre do fenómeno, por vezes mais perto da ficção do que da realidade. Mais perto da ideia de “Fado” que Carlos Saura quis construir – uma ideia também comercial, obviamente. Nem o verdadeiro objectivo do projecto me parece muito claro; comercial? promocional? um misto dos dois?
Este não é um filme exclusivamente sobre o fado, é essencialmente um filme de fados, visões, variações, reinterpretações, quanto muito, uma homenagem ao fado, numa visão pessoal e ficcionada do realizador. Na verdade, são vários os momentos em que me senti perdido…
Depois, não é pela escolha dos fadistas nacionais – sempre discutível mas naturalmente aceitável, tão pouco pelas presenças internacionais, todos elas com interpretações excelentes – aqui noutra piscadela de olho ao mercado internacional, é sim pela falta de uma ligação realista, de um enquadramento coerente, uma estrutura que faça passar a mensagem sem criar alguma confusão…isto é o fado ou uma visão sobre o fado? Se para um português, a quase falta de narrativa ou informação não é um problema, já para uma boa parte do público dos 28 países que adquiriram o filme, presumo que seja e crie alguma confusão, perdendo parte do seu potencial de divulgação.
No fim, acaba por ser um filme que se aconselha; pela música, pela imagem, pelo documento ficcional que é, enfim, pelo espectáculo; por outro lado, merecerá sempre um maior cuidado quando se pretender analisá-lo numa perspectiva histórica, cultural e social. É demasiado imaginoso para servir como tal.
Enfim, é espectáculo!
Momentos altos:
– interessante inclusão de momentos coreográficos a acompanhar a música;
– genericamente, um trabalho cenográfico interessante – excelente momento o de “Um Homem na Cidade” com Carlos do Carmo;
– excelente fotografia;
– participações internacionais a dar uma visão diferente do fado;
– excelente participação dos fadistas Carlos do Carmo, Camané e Mariza – principais figuras do filme;
– emocionante a presença de Chico Buarque com o “Fado Tropical” – no tema da “Revolução”;
– Bom momento dedicado ao fado vadio, com as participações de Vicente da Câmara, Maria da Nazaré, Pedro Moutinho, Ana Sofia Varela, Carminho e Ricardo Ribeiro.
Momentos baixos:
– argumento pouco claro;
– pobreza cenográfica inicial, no momento da entrada dos Kola San Jon;
– muito desenquadrada a presença de NBC e SP&Wilson na homenagem a Alfredo Marceneiro – como diz o povo, cravada à paposseco;
– infeliz e marcadamente insuficiente, a primeira parte da homenagem a Amália – sem contar com a luminosa versão de “Estranha Forma de Vida” na voz de Caetano Veloso;
– final algo abrupto, com um ligeiro sabor a pouco;
– pouco realista como cartão de visita do fado.
[…] A canção tem poema de Fernando Pinto do Amaral e faz parte da banda sonora de “Fados“, película de 2007 do realizador Carlos Saura. […]