tiorex_monstro

São cinco temas, “5 Monstros” (Biruta Records, Experimentáculo Records, 2014) a marcar o regresso do cantautor setubalense Tio Rex aos discos. É o próprio que nos fala do seu novo registo, faixa a faixa…

JOE é um relato, na primeira pessoa, de motivações/actos de um “Monstro” que viveu no séc. XIX, em terras de Sua Majestade. Dada a temática violenta e negra do poema – e de na sua forma ser, também, uma carta – sempre senti a necessidade de a música ter a presença do protagonista, que acaba por estar claramente marcada pelo assobio e passos nas calçadas victorianas; meio que a convidar a “dar uma volta” por essas mesmas ruas e a presenciar a qualidade visceral com que os actos da personagem foram perpetrados. Daí para a frente vejo o tema como o expoente máximo da minha “nerdice” por filmes de culto italianos dos anos 70 e 80. A entrada forte, o ritmo constante e o que está a ser descrito acaba por sair muito dos universos do Argento e do Fulci.

Em Autofla-gela-ção o “Monstro” é a própria palavra e o contexto em que a mesma é alusiva ao que está a ser cantado/vivido pelo sujeito. Ao nível de conteúdo este tema está enraizado no facto de, mesmo depois de ultrapassar uma barreira na vida, a memória nunca nos permitir largá-la definitivamente. Simplesmente esperar por um futuro que faça com que esses eventos caiam no esquecimento. Ao nível sonoro envisionei, com o imprescindível input do Bruno Mota e do João Máximo da Gallantry, que produziram o disco, criar um ambiente meio espacial, centrado nas oscilações dinâmicas do dedilhado, barradas com reverb. Como se tratasse de uma banda sonora para um fantasma que viaja em tempo real enquanto o mundo à sua volta está em câmara lenta. A doce voz da Marta, neste contexto, enaltece essa “assombração”.

O Gigante foca-se numa memória onde o “Monstro” se materializa pela sua dimensão física e pela dimensão que detém no plano das minhas primeiras recordações de infância. O primeiro verso desta música foi a primeira coisa que alguma vez escrevi, ainda na Madeira, com a minha primeira guitarra. É como uma ode a um momento que vivi e ao que retirei disso, que, por ter acontecido há tanto tempo mas estar tão vivo na minha mente, mereceu ser completada 1 ano mais tarde. Sonoramente é um misto de country e folk que continuam a ser os estilos que mais me enchem as medidas, e onde, por oposição a outros géneros musicais mais vivos hoje, quanto mais desenterro o passado mais descubro músicas e artistas que me tocam pela cultura, tempos e as vivências que relatavam. Pareceu-me acertado associar essa antiguidade ao facto do que relato ser um passado que vejo ao longe… mas em Full HD :)

Na D. Eu I, o sujeito, na sua condição de ser que pensa, sente e age, é o próprio “Monstro”. O que está aqui em causa é basicamente a capacidade que temos de olhar para nós mesmos e ver o que está certo ou errado. Consciente disso, a melodia é apenas o barco que leva o sujeito nessa viajem de autoapreciação ou condenação. É um tema com pouco texto pelo que acaba por ser uma viajem muito mais sonora, onde tentámos abranger diversas texturas, desde os violinos a fazerem uma “cama de nuvens” para a guitarra, ao ponto mais alto que rebenta com a bateria e o solo de eléctrica, com a constatação final do sujeito. Fun-fact: Esta é capaz de ser a minha única música, até aqui, em que dá para tocar air-drums. Fica a dica.

Judas – Aqui (os “Monstros”) são a traição, a falta de transparência e de coragem para encarar algo/alguém, sendo o fio condutor das mesmas um sentimento de culpa, um “Monstro” por si só também. Na sua concepção foi idealizada para ser um Outro instrumental apenas com a minha guitarra. Foi em estúdio que pusemos a hipótese de poder ter uma participação de outro guitarrista e daí para a frente foi um salto rápido para a conclusão de que faria sentido ser um diálogo entre 2 guitarras de estilos diferentes mas que se casam. Sendo um apanhado por slides, Ry Cooder e pelo one-man-bluesband mais cool deste país, foi tão simples quanto enviar uma mensagem ao Nelson e convidá-lo. Dei-lhe carta branca e, à sua ilustre maneira, chegou, ouviu, tocou e conquistou o seu espaço na música. É uma inspiração, um exemplo e, acima de tudo, um amigo. [OUVIR]

By Rui Dinis

Rui Dinis é um pai 'alentejano' nascido em Lisboa no ano de 1970, dedicado intermitentemente desde Janeiro de 2004 à divulgação da música e dos músicos portugueses.