E chegámos ao intenso 2014. “Live in Lisbon” é o primeiro dos três discos editados em 2014 por Rodrigo Amado. Foram assim esses dias:

liveinlisbon

Rodrigo Amado Motion Trio featuring Peter Evans – “Live in Lisbon” (NoBusiness Records, 2014)

2014 foi para mim, em termos de edições, o ano mais intenso. Sairam este Live in Lisbon (a imagem da capa é novamente retirada de uma pintura do meu pai), o The Freedom Principle, também com o Peter Evans, o primeiro álbum do Wire Quartet, e ainda Far Out, a minha segunda colaboração com os rockers Black Bombaim. Gravado ao vivo no Teatro Maria Matos, em Março de 2013, Live in Lisbon documenta o encontro inicial com o Peter Evans, um dos mais extraordinários improvisadores da actualidade. Quando surgiu o convite para o concerto do Maria Matos, eu estava num período de audição intensa do ‘Ghosts’ (disco de Evans editado em 2011). Estava completamente fascinado com a linguagem do Peter e com a intensidade pouco habitual das improvisações. Naquele momento era o músico com o qual me imaginava mais frequentemente a colaborar, e decidi fazer-lhe o convite. No fundo, tratou-se de um “risco calculado”, pelo menos era o que eu pensava antes do concerto. O facto de ele ser um virtuoso absoluto no trompete, de ser considerado um dos mais fortes improvisadores em actividade e ter um estilo exuberante e nada discreto, eram motivos para pensar que não iríamos ter uma tarefa fácil no palco do Maria Matos. Mas, apesar do Motion Trio estar bem rodado, já com alguma experiência de colaborações com músicos como o Jeb Bishop ou o Steve Swell, também eles improvisadores de primeiro plano, nada nos preparara para o que iria acontecer. Quando subimos ao palco fomos apanhados de surpresa! O turbilhão de ideias lançado pelo Peter era avassalador e todas as suas opções eram inesperadas, verdadeiras “bombas” que o trio tinha depois de integrar, processar e transformar em música criada no momento. Foi como uma batalha campal. Um dos temas do álbum tem o nome de Conflict Is Intimacy e esse título tem a ver com essa componente do inesperado de que já falei, mas também com o facto de que todas as ideias do Peter surgiam por oposição. Quando aquilo que o trio estava a tocar sugeria uma melodia lenta e contínua, o Peter disparava sons que pareciam tiros de pistola, pneus a chiar ou uma chaleira ao lume. Num momento seguinte, quando era sugerido algo com um ritmo forte e bem marcado, o Peter tocava um silvo contínuo, num volume tão baixo que ameaçava “destruir” por completo aquilo que nós fazíamos. Em cada momento, havia cinco ou seis diferentes níveis de comunicação a acontecer ao mesmo tempo e, para complicar ainda mais as coisas, havia pequenos fragmentos em que o Peter imitava exactamente o que um de nós estava a fazer, tornando difícil de perceber quem estava a tocar o quê. E foi assim durante todo o concerto, intensidade máxima, sempre no vermelho, com todas estas linguagens em oposição mas com um objectivo comum; criar música em tempo real. Passar juntos por uma experiência dessa intensidade, trouxe-nos depois um grau de intimidade muito particular com o Peter, como se já o conhecêssemos há anos. Na realidade só o conhecemos na véspera do concerto. Foi incrível. Todos nós concordamos que foi uma experiência que nos mudou para sempre.

Rodrigo Amado

Artigos anteriores:

2002 Lisbon Improvisation Players ‎– “Live_LxMeskla” (Clean Feed) Ler

2003 Rodrigo Amado, Carlos Zíngaro e Ken Filiano – “The Space Between” (Clean Feed) Ler

2004 Lisbon Improvisation Players – “Motion” (Clean Feed) Ler

2006 Lisbon Improvisation Players – “Spiritualized” (Clean Feed) Ler

2006 Rodrigo Amado, Kent Kessler e Paal Nilssen-Love – “Teatro” (European Echoes, 2006) Ler

2007 Rodrigo Amado, Carlos Zíngaro, Tomas Ulrich e Ken Filiano – “Surface” (European Echoes, 2007) Ler

2009 Rodrigo Amado, Kent Kessler e Paal Nilssen-Love – “The Abstract Truth” (European Echoes, 2009) Ler

2009 Rodrigo Amado – “Motion Trio” (European Echoes, 2009) Ler

2010 Rodrigo Amado, Taylor Ho Bynum, John Hébert e Gerald Cleaver – “Searching for Adam” (Not Two Records) Ler

2012 Rodrigo Amado Motion Trio featuring Jeb Bishop – “Burning Live at Jazz ao Centro” (JACC Records) Ler

2013 Rodrigo Amado Motion Trio featuring Jeb Bishop – “The Flame Alphabet” (Not Two Records) Ler

By Rui Dinis

Rui Dinis é um pai 'alentejano' nascido em Lisboa no ano de 1970, dedicado intermitentemente desde Janeiro de 2004 à divulgação da música e dos músicos portugueses.