A TROMPA

Disco da Semana


artigos recentes


LIGAÇÕES QUENTES


Arquivo


[Especial Rodrigo Amado] Rodrigo Amado Motion Trio com Jeb Bishop em “The Flame Alphabet”, 2013

Rui DinisRui Dinis

A experiência foi tão marcante, que um ano depois, em 2013, Rodrigo Amado voltava a aliar seu Motion Trio ao trombonista Jeb Bishop. Daí nasceu este “The Flame Alphabet”:

theflamealphabet

Rodrigo Amado Motion Trio featuring Jeb Bishop – “The Flame Alphabet” (Not Two Records, 2013)

Esta foi a primeira vez que utilizei para a capa de um disco uma imagem de alguém que não conhecia. Foi um processo curioso. Numa das passagens rotineiras pelo facebook dei de caras, por acaso, com esta pintura de um artista norte-americano – Zachary Worth. Na altura nem lhe dei demasiada importância mas a imagem ficou-me na cabeça. Alguns meses mais tarde, ao trabalhar no conceito para este segundo álbum com o Jeb, andava às voltas com a obra de Ben Marcus e a distopia da linguagem proposta no seu livro “The Flame Alphabet” e lembrei-me de novo da pintura pela associação com a imagem da montanha a arder. Ainda tive de pesquisar um pouco para a encontrar de novo, mas consegui. Entrei em contacto com o Zachary através do facebook e perguntei-lhe se podia utilizá-la. Surpreendentemente, ele conhecia bem a minha música (tinha inclusive alguns discos meus) e acedeu de imediato. O nome pensado inicialmente era Burning Mountain, mas depois acabei por optar mesmo por The Flame Alphabet – a analogia a um alfabeto musical que “queima” era perfeita. Este foi também um período em que eu e o Gabriel começámos a trabalhar intensamente em duo, paralelamente com o trabalho do Motion Trio. A exuberância rítmica da música era cada vez maior e nós sentíamos a necessidade de trabalhar essa vertente de forma exaustiva e consistente. Começámos a fazer pequenas séries de concertos em duo um pouco por todo o país. O esquema era sempre o mesmo – fim de semana alargado, metíamo-nos no carro com a bateria, o sax e um monte de discos e íamos por aí fora a tocar todas as noites. Uma das saídas mais memoráveis, marcada por aventuras gigantescas e inesquecíveis, começou no CCB, a tocar ao ar livre, passou pelo Mercado Negro, em Aveiro, Carpe Diem, em Santo Tirso, Armazém do Chá, no Porto (uma festa de aniversário épica, que acabou na esquadra), o Clube de Bragança, em Bragança (aniversário da Dedos Biónicos) e o A9, em Leiria. A intensidade era tal (rock’n’roll life!!) que ainda hoje não sei como sobrevivemos. Já no início de 2013 surgiu para o duo uma oportunidade que se viria a revelar marcante. Fomos convidados para uma série de concertos no Brasil. Tocámos no Rio de Janeiro (foi a minha primeira visita à cidade e foi amor à primeira vista) em São Paulo e em Santos, e tivemos a sorte de apanhar o período que antecede o Carnaval, cerca de duas semanas antes. Aproveitámos para ficar uma semana no Rio. Com poucos turistas na rua (a invasão do Carnaval ainda não tinha começado), os dias eram passados entre longos banhos na praia que ficava ao fim da nossa rua, “chope” e cachaça, açaí e granola, ensaios dos blocos de carnaval nas ruas da cidade (loucura total e absoluta), e ainda tivemos o absoluto privilégio de assistir a um ensaio geral da Escola do Salgueiro, na Tijuca, que foi básicamente uma réplica exacta da actuação no Carnaval, algumas semanas depois. Chegámos cedo e a festa já estava montada – milhares de pessoas dentro de um pavilhão gigantesco com um palco elevado de cada lado e bares espalhados por todo o recinto. Num palco estavam os cantores, bailarinos e banda convencional, no outro estava a bateria de samba com dezenas de percussionistas e sopros. A música nunca parou durante cerca de 5 horas e toda a gente dançava (acho que nunca dancei durante tanto tempo seguido e com tanto prazer). O efeito dos dois palcos era hipnótico e mágico e os arranjos tiravam partido do stéreo natural com trechos longos de pergunta-resposta a balançar de palco para palco e todos os músicos a tocar como se não houvesse amanhã. Absolutamente inesquecível e um dos momentos musicais que mais me marcou. Saí de lá a flutuar.

Rodrigo Amado

Artigos anteriores:

2002 Lisbon Improvisation Players ‎– “Live_LxMeskla” (Clean Feed) Ler

2003 Rodrigo Amado, Carlos Zíngaro e Ken Filiano – “The Space Between” (Clean Feed) Ler

2004 Lisbon Improvisation Players – “Motion” (Clean Feed) Ler

2006 Lisbon Improvisation Players – “Spiritualized” (Clean Feed) Ler

2006 Rodrigo Amado, Kent Kessler e Paal Nilssen-Love – “Teatro” (European Echoes, 2006) Ler

2007 Rodrigo Amado, Carlos Zíngaro, Tomas Ulrich e Ken Filiano – “Surface” (European Echoes, 2007) Ler

2009 Rodrigo Amado, Kent Kessler e Paal Nilssen-Love – “The Abstract Truth” (European Echoes, 2009) Ler

2009 Rodrigo Amado – “Motion Trio” (European Echoes, 2009) Ler

2010 Rodrigo Amado, Taylor Ho Bynum, John Hébert e Gerald Cleaver – “Searching for Adam” (Not Two Records) Ler

2012 Rodrigo Amado Motion Trio featuring Jeb Bishop – “Burning Live at Jazz ao Centro” (JACC Records) Ler

Rui Dinis
Author

Rui Dinis é um pai 'alentejano' nascido em Lisboa no ano de 1970, dedicado intermitentemente desde Janeiro de 2004 à divulgação da música e dos músicos portugueses.