Em 2012, Rodrigo Amado expressava em disco o encontro do seu Motion Trio com o trombonista Jeb Bishop. O resultado foi este fantástico “Burning Live at Jazz ao Centro”. Sobre o resto, Rodrigo Amado deixa-nos mais algumas palavras:
Rodrigo Amado Motion Trio featuring Jeb Bishop – “Burning Live at Jazz ao Centro” (JACC Records, 2012)
Gravado ao vivo no Festival Jazz ao Centro, em Coimbra, este álbum captou o Motion Trio numa fase de grande evolução. O encontro com o Jeb foi extraordinário. Conhecia bem a música dele, principalmente através dos discos que gravara com os Vandermark 5, mas nada nos podia preparar para a personalidade aberta e calorosa do Jeb, para a absoluta diversão que foi andar com ele na estrada. Lembro-me de alguns concertos memoráveis dessa digressão nacional que realizámos juntos em 2011, nomeadamente o concerto da ZDB, total explosão de energia bem característica de um primeiro encontro, o concerto de Barcelos, no castelo, rodeado de uma atmosfera mágica, ou aquele que fizemos no Serralves em Festa, um dos mais consistentes da tour. O trio com o Miguel e o Gabriel estava numa fase de grande trabalho, com ensaios intensos a um ritmo quase diário. Sabíamos que íamos encontrar um jazzmen brutal e poderoso e queríamos estar à altura. Acho que a preparação intensa e a vontade de tocar e evoluir eram tantas que conseguimos surpreender o Jeb. A tarde que antecedeu o concerto de Coimbra foi algo caótica, marcada por uma série de surpresas desagradáveis – atrasos dos técnicos, incertezas relativas a horários e detalhes de produção e, pior de tudo, a necessidade de desmontar tudo a seguir ao teste de som devido à realização de um evento no mesmo espaço onde ia decorrer o concerto. Tínhamos cerca de uma hora para remontar tudo e começar a tocar. A tensão era enorme. No final do concerto, o Jeb e o Gabriel estavam desolados, achavam que o concerto tinha corrido muito mal, que não gostavam do que tinham feito. Eu e o Miguel tínhamos outra opinião e estavamos bastante satisfeitos. Alguns meses mais tarde, quando ouvimos finalmente a gravação do concerto, fomos todos apanhados de surpresa. A música estava incrível, super focada. Numa crítica importante que saiu na Wire, o Dan Warburton comparava a gravação a álbuns históricos com sax e trombone como o Outspan Nº1 do Brötzmann, com o Albert Mangelsdorff, ou o Quartet (Dortmund) 1976 do Anthony Braxton com o George Lewis. Claro que todo o processo foi para nós uma lição sobre a percepção do nosso próprio trabalho e a importância de não nos precipitarmos numa autocrítica imediata. Muitas vezes é necessária alguma distância para conseguirmos ouvir o que fizémos com objectividade. 2011 foi também o ano da segunda tour dos Humanization Quartet na costa leste dos Estados Unidos. O grupo é formado por mim, o Luís Lopes na guitarra e os irmãos Aaron e Stefan González no contrabaixo e bateria, respectivamente. O Aaron e o Stefan, filhos do Dennis González e texanos de gema, são como irmãos para nós. Conhecemo-nos em Lisboa, numa das visitas do Dennis, e desde aí nunca mais parámos de tocar, primeiro nos Yells at Eels, com os quais fiz as tour americana e polaca, e depois nos Humanization. A mistura de influências, nossas (minhas e do Luís) com as deles (jazz, hardcore, grindmetal, punk rock…) é explosiva. Na primeira tour que fizemos nos Estados Unidos já tínhamos tocado em cidades como Dallas (onde passámos cerca de 15 dias a ensaiar antes de ir para a estrada), Fort Worth, Austin, Houston, New Orleans, Atlanta, Asheville, Greensboro, Washington, Filadélfia e Nova Iorque, num ritmo diabólico de concertos quase diários com viagens de centenas de kilómetros de concerto para concerto e aventuras que nos deixaram a sensação de andar na estrada durante vários meses (na realidade foram apenas duas semanas). Nesta segunda tour, com a banda a tocar uma música cada vez mais orgânica, com composições de todos os membros do quarteto, fomos ainda mais longe e estendemos as datas a cidades como Detroit, Chicago ou Madison, no norte, já próximo da fronteira com o Canadá. Em Detroit, cidade que me marcou pelo ambiente pós-apocalíptico e desolado (incrível para fotografar) tivemos a nossa maior aventura de sempre. De noite, com um grupo grande de amigos, alguns deles metaleiros, todos tatuados, com cerca de 2 metros de altura (malta grande), íamos a caminhar na rua a dirigirmo-nos para um concerto, e fomos atacados por um grupo enorme de jovens negros com facas. O Luís, que era o último do grupo, ainda apanhou um soco fortíssimo na babeça que lhe afectou a audição durante alguns dias. A nossa sorte foi não perdermos o sangue frio, não entrar em pânico. Virámo-nos para trás, com os elementos mais fortes à frente, e fomos caminhando de costas numa troca violenta de palavras. Quando as coisas pareciam mesmo ir explodir, passámos um cruzamento em que eles pararam. Ainda hoje não percebemos porquê e recordamos a situação como um aviso à importância de cuidados a ter em movimentações nocturnas, particularmente numa cidade como Detroit.
Rodrigo Amado
Artigos anteriores:
2002 Lisbon Improvisation Players – “Live_LxMeskla” (Clean Feed) Ler
2003 Rodrigo Amado, Carlos Zíngaro e Ken Filiano – “The Space Between” (Clean Feed) Ler
2004 Lisbon Improvisation Players – “Motion” (Clean Feed) Ler
2006 Lisbon Improvisation Players – “Spiritualized” (Clean Feed) Ler
2006 Rodrigo Amado, Kent Kessler e Paal Nilssen-Love – “Teatro” (European Echoes, 2006) Ler
2007 Rodrigo Amado, Carlos Zíngaro, Tomas Ulrich e Ken Filiano – “Surface” (European Echoes, 2007) Ler
2009 Rodrigo Amado, Kent Kessler e Paal Nilssen-Love – “The Abstract Truth” (European Echoes, 2009) Ler
2009 Rodrigo Amado – “Motion Trio” (European Echoes, 2009) Ler
2010 Rodrigo Amado, Taylor Ho Bynum, John Hébert e Gerald Cleaver – “Searching for Adam” (Not Two Records) Ler