Mentor do fantástico projecto “T(h)ree“, David Valentim é hoje o convidado especial da rubrica Em Directo:

Como nasceu a ideia de criares o projecto T(h)ree?
Em Hong Kong. 2008. Depois de organizar o meu quarto festival de música underground ao qual chamei “Flash”, que teve duas edições em Macau e outras duas em Hong Kong, e no qual tocaram dezenas de artistas locais de enorme qualidade, percebi que estava numa situação privilegiada para juntar alguns desses músicos com outros tantos portugueses e criar uma compilação em cd, cheia de parcerias musicais.

Já consegues fazer um balanço geral do primeiro volume, lançado em 2010, com músicos de Portugal, Hong-Kong e Macau?
Não consigo fazer um balanço correcto ainda porque muitas pessoas irão conhecer o primeiro volume graças ao segundo (agora lançado) e ao terceiro (com lançamento para o próximo ano). Mas o álbum vendeu muito mais do que eu imaginava nos três territórios envolvidos. Não nos podemos esquecer que se tratava de um álbum de música mais underground e “estranha” e que muita gente não está acostumada a esse género. E também não houve grande hype à volta do álbum. Apesar de não ter chegado a tanta gente como deveria, as críticas foram positivas e deram-me mais alento para continuar o projecto.

Porquê Singapura e Filipinas para este segundo volume?
Eu divido os volumes por regiões. No primeiro, foram as regiões autónomas chinesas e neste álbum foi o sudeste asiático. As diferenças entre os dois volumes são grandes e transmitem um pouco o que se passa no panorama musical dessas duas partes da Ásia. O porquê de Singapura e Filipinas em especial? Singapura é uma sociedade economicamente exemplar, com muitos credos e raças, onde tudo funciona bem e a qualidade de vida existe devido a um conjunto de regras bem firmes por parte dos seus governantes. Filipinas é o oposto. Caótica, corrupta, barulhenta e poluída, Manila é uma capital onde tudo pode correr mal, mas que tem o seu encanto terceiro mundista, que muitas sociedades do sudeste asiático têm. Perceber que género de música se faz nesses dois territorios tão díspares, o que move os músicos para criarem e como eles iriam trabalhar com os seus parceiros portugueses era um desafio que me interessava explorar.

Em traços gerais, como é feita a seleção dos projectos a integrar nos discos?
Gosto pessoal, acima de tudo. Sem restrições e pressões comerciais. Para mim, faz tanto sentido convidar um Carlos Zíngaro como uns Blasted Mechanism. A mesma coisa se passa com os músicos que vou conhecendo ao longo das minhas viagens pela Ásia. Depois é perceber o que uma banda pode acrescentar ao som da outra e juntar as peças do puzzle para que as parcerias musicais sejam coerentes entre si.

Há algum tema que por algum motivo te tenha agradado especialmente, neste novo disco?
Todos os temas são tão coesos que me é difícil escolher um. Até as músicas que ficaram de fora, por razões exteriores, mereciam destaque. Por exemplo, acho que ter a última música gravada pel’Os Golpes é especial. Ter os Pop dell Arte na sua melhor forma, o Carlos Zíngaro num registo brilhante, as palavras da Lula Pena, o caos organizado do encontro improvável dos Stealing Orchestra, Maze e The Analog Girl, o regresso do Melo D e dos Micro Audio Waves…podia enumerar todas. O melhor é parar por aqui.

Neste processo de produção que principais dificuldades encontraste?
Depois da fase de convites aceites, o inicio é sempre difícil porque ninguém quer dar o primeiro passo. Depois de dado, entra-se numa fase de criação interessante, que vai adormecendo com o alongar do processo. Motivar os músicos e perceber quando e como é a principal dificuldade. Não nos podemos esquecer que eles não se conhecem, e muitos nem me conhecem (e continuam a não conhecer). Portanto, há varios momentos de pura estagnação em que o produtor tem de intervir e reanimar o processo. Depois é ir ouvindo o que é criado e dar uma maior coerência ao todo, para que o álbum não seja um conjunto de canções disconexas. Criar um caminho e dar as direcções certas nas alturas correctas.

A Internet tem neste projecto um peso importante. Como olhas para este novo recurso como elemento catalisador do processo criativo?
A internet é um pau de dois bicos. É fantástico que músicos que vivem em diferentes partes do mundo criem algo em conjunto, sem se conhecerem. Mas a internet também convida à dispersão e hoje em dia tens muitos fenómenos completamente desinteressantes que são criados através das redes sociais e outros meios, e que abafam projectos como este. Por exemplo, é horrível quando percebemos que um vídeo de um cromo a cantar pavorosamente nos Ídolos, ou o lançamento de um álbum de alguém saído de um reality show gera muito mais atenção que um videoclip de um projecto destes. Parece que a mediocridade chega mais depressa às pessoas hoje em dia. E essa habituação ao incrivelmente medíocre é o lado negro da internet. A fasquia tende a descer se não tivermos uma autoconsciencialização do que estamos a consumir. Se houver essa consciencialização, entao a internet é um catalisador com potencialidades quase infinitas.

A Cobra Discos tem acolhido o projecto T(h)ree no seu catálogo. Como nasceu esta relação e como tem corrido até hoje?
Da mesma forma como convidei os músicos que gosto, abordei a Cobra, que é uma editora muito ligada a uma das minhas bandas de culto: os Mão Morta. A Cobra pode não ser a editora mais dinâmica do mundo, mas é credível e tem gente muito séria e intocável nos seus comandos. Portanto, o projecto T(h)ree está bem entregue.

A apresentação ao vivo ocorreu no passado dia 30 de Março, no Museu do Oriente. Como foi a resposta do público?
A festa de lançamento aconteceu na mesma noite em que os Blasted Mechanism encheram a Aula Magna, os Gala Drop, o Lux, entre muito outros eventos que eram fortes concorrentes. Ainda assim, muita gente veio ao Museu do Oriente pagar para ver músicos como o Randolf Arriola e a The Analog Girl, de Singapura e os Toi das Filipinas. Músicos que nunca ninguém ouvira falar. E muita gente foi surpreendida pelos seus concertos e muita gente me tem abordado para saber quando é que esses músicos virão de novo a Portugal. Aconteceu o mesmo nos espectáculos do primeiro lancamento T(h)ree. Isso significa que as pessoas gostam e o meu trabalho enquanto divulgador da música moderna feita naquelas paragens não está a ser em vão.

Este projecto tem uma forte componente solidária. Como nasceu a ideia?
O que queremos é celebrar a ligação cultural entre Portugal e a Ásia através da música. Não queremos fazê-lo por dinheiro. Queremos fazê-lo porque nunca nada do género tinha sido feito antes na música portuguesa, nem na música dos territórios em questão. O conceito e a sua concretização é suficiente para nós, portanto, tudo o que lucramos com a venda dos cds irá para Instituições que realmente precisam.

Já há planos para um terceiro volume? Que países vais envolver?
Ja está em andamento há mais de seis meses. Vai sair para o próximo ano e vai envolver Portugal, Coreia do Sul e Japão

Há mais datas previstas para a apresentação do projecto ao vivo?
Estamos a tentar fazer em conjunto com a Fundação Oriente, um evento anual em Macau que junte em palco várias bandas, dos vários territórios, e que tocaram nos álbuns T(h)ree. Seria bom vê-los a partilhar o palco e mostrar como a música continuará sempre a ser um motivo de união e não de desigualdades.

Para finalizar, aponta duas razões para ouvir e comprar este novo disco?
Honestamente, porque é um album com uma sonoridade única e foi feito de uma forma singular. E não esquecer que ao comprar este álbum, estão a apoiar a música portuguesa e a sua incursão além fronteiras, e a ajudar a Make a Wish, instituição à qual irão reverter os lucros das vendas do álbum.

capa de T(h)ree
Vários Artistas – “T(h)ree vol. 2 – Portugal, Philippines and Singapore” (Cobra Discos, 2012)

www.facebook.com/pages/Three/114442541954113
www.myspace.com/projectothree

By Rui Dinis

Rui Dinis é um pai 'alentejano' nascido em Lisboa no ano de 1970, dedicado intermitentemente desde Janeiro de 2004 à divulgação da música e dos músicos portugueses.