Ainda em 2006, Rodrigo Amado voltaria a surpreender-nos com um novo disco, agora na companhia de Kent Kessler e Paal Nilssen-Love. O disco chama-se “Teatro”:

TEATROPRESSCOVER

Rodrigo Amado, Kent Kessler e Paal Nilssen-Love – “Teatro” (European Echoes, 2006)

Gravado em Fevereiro de 2004 no Teatro São João, no Porto, Teatro marca o início de uma nova fase na minha música. Apesar de sentir que já tinha conquistado uma identidade comum para todos os meus projectos, não tinha ainda conseguido reunir uma working band, uma formação estável com a qual pudesse trabalhar todos os dias obrigando a música a transformar-se e evoluir. O trabalho realizado com o Pedro Gonçalves (contrabaixo), o Bruno Pedroso e o Acácio Salero (ambos na bateria) tinha chegado a um ponto onde era difícil evoluir sem trabalho intenso diário, algo que era difícil fazer acontecer pelas múltiplas outras solicitações que eles tinham, nas mais diversas áreas. Todos eles músicos tremendos e grandes improvisadores, tinham sido sem dúvida determinantes para a minha evolução musical ao longo dos últimos anos, mas sentia agora que tinha de levar a música para um novo patamar de intensidade e emoção, procurando músicos com os quais partilhasse uma maior afinidade estética e uma maior ligação emocional. Tinha começado a fazer viagens regulares a Marrocos, aproveitando para tocar com músicos locais, em Marraquexe ou Essaouira. Numa das várias passagens de ano que passei no país, fui convidado para tocar numa festa onde estavam apenas Marroquinos (nem um ocidental) integrado numa banda de Gnawa local. Tocávamos durante cerca de uma hora, alternados com um outro grupo Berber que tinha duas mulheres a cantar de forma transcendente. Isto durante toda a noite – uma hora nós, uma hora eles – até que a festa começou a tomar conta dos acontecimentos e acabámos a tocar todos juntos. As sessões de música em Marrocos foram sempre grandes lições sobre contenção e acima de tudo sobre o papel do tempo na música. Eles quando se juntam para tocar é sem horizonte temporal definido – podem ser 3 horas como podem ser 6 ou 7 – e é sempre uma experiência espiritual. Em Lisboa, durante esta fase, sentia-me um pouco isolado. Não pertencia ao meio do jazz, mas também não pertencia ao meio da livre improvisação, apesar de ter inúmeros amigos e colaboradores em ambas as áreas. Não existia ainda uma cena jazz mais criativa como existe hoje. Foi também o período em que o absoluto equilíbrio e harmonia que tinha marcado os primeiros anos da Trem Azul e da Clean Feed começava a sofrer alterações. Entraram novos sócios para a empresa e a minha dedicação aos próprios projectos estava a retirar energia e foco para os assuntos da empresa. Na realidade, era o Pedro Costa que estava a assumir a maior parte das responsabilidades e trabalho (eu e ele éramos os sócios maioritários). Eu estava frequentemente absorvido a pensar em novas colaborações, concertos, misturas de discos, etc. Quando as coisas chegaram a um ponto de rutura, decidi sair. Mas foi num desses momentos de incerteza e procura que surgiu o convite do Pedro Santos para participar no festival que ele produzia e programava no Teatro São João, o Spectrum. O convite surgiu com total liberdade para que eu escolhesse com quem queria tocar, sendo que havia verbas para viagens, alargando a escolha a músicos internacionais. A minha escolha imediata foi para o Paal Nilssen-Love (bateria), que era na altura denominador comum numa série de projectos que andava a ouvir intensamente. Depois pensei na hipótese de tocar em trio, de forçar uma exposição maior do que aquela que existe quando tocamos em quarteto, e pensei no Kent Kessler, pelo som poderoso mas também pelo elemento de groove que coloca sempre na música. Os dias que antecederam o concerto foram de alguma apreensão e nervosismo – sabia que este era um enorme desafio, ia tocar com dois instrumentistas brutais e ia estar totalmente vulnerável. Eles chegaram na véspera e no dia seguinte já estávamos a gravar (Teatro foi gravado durante o sound check da tarde, e não durante o concerto). Ainda hoje, este é um dos discos mais importantes e simbólicos da minha discografia. Foi sem dúvida um dos pontos de viragem (nota: a capa é retirada de uma pintura do meu pai, Manuel Amado).

Rodrigo Amado

Artigos anteriores:

2002 Lisbon Improvisation Players ‎– “Live_LxMeskla” (Clean Feed) Ler

2003 Rodrigo Amado, Carlos Zíngaro e Ken Filiano – “The Space Between” (Clean Feed) Ler

2004 Lisbon Improvisation Players – “Motion” (Clean Feed) Ler

2006 Lisbon Improvisation Players – “Spiritualized” (Clean Feed) Ler

By Rui Dinis

Rui Dinis é um pai 'alentejano' nascido em Lisboa no ano de 1970, dedicado intermitentemente desde Janeiro de 2004 à divulgação da música e dos músicos portugueses.

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