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OLHARES|”África Mecânica de Metal” – Jorge Ferraz

Rui DinisRui Dinis

Há já alguns dias que andava com “África Mecânica de Metal” atrás do ouvido. Pois bem, não foram fáceis as primeiras impressões. Na verdade, Jorge Ferraz não é propriamente conhecido por dispor em disco aquilo a que podemos chamar de um produto fácil. Entenda-se aqui o fácil, como a compreensão automática de TUDO o que nos é transmitido. Não é, mas por outro lado, são estes discos mais desafiantes, que fazem sobressair uma certa vontade de os trazer para aqui, bem para a frente. É o caso deste.
“África Mecânica de Metal” é o álbum de estreia de Jorge Ferraz, em nome próprio, figura de alguns projectos da moderna música nacional da década de 80, como foram os casos de Ezra Pound e a Loucura, Bye Bye Lolita Girl e Santa Maria Gasolina em teu Ventre, ou das décadas que se seguiram, como foram os casos de God Speed My Aeroplane, God Spirou, João Peste & Acidoxibordel, Muad’Dib Off Distortion, Rede Soleri ou mais recentemente, Fatimah X. Não sendo assim o tal desconhecido – longe disso, “África Mecânica de Metal” pode bem ser considerado como a síntese de muito do que Jorge Ferraz já criou.
Introduzindo o álbum, diz-se no sítio da Zounds que “no mundo da hiper-realidade da tecnologia digital que é a medida da nossa solidão, em contraste com a violência de rostos rápidos e fugazes das multidões esfomeadas e com a beleza avassaladora de uma gigantesca natureza silenciosa e vingativa, o que nos resta? A bravura dos pequenos gestos de uma absurda resistência, como seja uma “África Mecânica de Metal”” (1). É esta a ideia, algo complexa, que acompanha os três actos – quase sempre instrumentais – que compõem o álbum de Jorge Ferraz; uma realidade diferente, bem para lá da nossa, onde a tecnologia é ainda mais sobranceira no seu domínio, na forma como conta e controla parte da história. Também conceptual, este é um disco onde Jorge Ferraz, munido da sua guitarra e de toda a parafernália electrónica e digital que o acompanha, cria um cenário próprio, um mundo diferente por onde deambulam as personagens desta sua estranha aventura. Todo o disco se passa num alegre jogo sonoro – lúdico e criativo, de momentos e cenas diferentes, onde tensões diversas vão circulando: num primeiro acto mais ritmado, balanceado, bem batido e directo, mais electrónico e em experimentação constante; num segundo acto mais curto, mais simplificado pelo trabalho da guitarra e mais minimal, como num lento despertar; e num terceiro, prolongamento da manhã nua, menos nervoso, menos batido, fundado em ambientes ainda mais misteriosos. É um disco que desperta a curiosidade; a curiosidade de saber onde vai parar. Quando vai parar. À frente, dizem que procura “na sua guitarra e nos espíritos e fantasmas que erram pelas máquinas e dispositivos electrónicos e digitais com quem vive, a poesia necessária para a reconciliação com essa natureza que esmaga e…com a África, a da sua infância, a dos seus mitos e a de hoje“. Procura mesmo.
É um disco rock, genericamente, mas é acima de tudo uma experiência sonora muito interessante, baseada numa exploração da electrónica levada ao limite, tendo a guitarra como limite eléctrico. São múltiplas as influências, são várias as pulsões instrumentais que por lá pululam, dando uma cor às vezes diferente ao argumento traçado por Jorge Ferraz – com destaque para o saxofone de Rodrigo Amado em “Kill Kill”, “Optux Quick” e “Velocidade para Acabar…”; um rock experimental de fortíssimo pendor electrónico e experimental, com algumas vozes a povoarem igualmente o imaginário criativo de Jorge Ferraz – com pequenas presenças de Anabela Duarte e Natacha Araújo. Nem sempre é muito perceptível como se ligam as 16 peças de “África Mecânica de Metal”- mesmo olhando para os 3 actos, o que, parecendo uma fraqueza, é ao mesmo tema uma riqueza, pela complexidade do mistério que se adensa enquanto não o desvendamos. Cada um que procure a saída. Por aqui, aconselha-se a viagem.

som Jorge Ferraz

capa de The Temple Bell
“África Mecânica de Metal” – Jorge Ferraz (Zounds, 2008; Reg. 2007)

I DRÁCULA EM ÁFRICA
01 A Africa Mecânica de Metal
02 Kill Kill
03 Latin Dark Fuzz
04 Supreme Love Attack
05 Zero Menos Nada
06 Genocídio no Espaço Darfur
07 Tube Suite C
08 Lolita Sinaliza a Aldeia aos Caçadores

II MANHÃ NUA
09 Espinal Medula Acesa
10 Green Industão 2
11 Ferrugem nos Ritmos do Tempo
12 Black Deco Astronaut

III SAUDADES DO FUTURO
13 Optux Quick
14 Stalkes no Lixo
15 Aranhos e Tangos
16 Velocidade para Acabar com Todos os Verões

tipo Experimental / Rock / Electronica
sítio www.zounds.pt
sítio www.myspace.com/zoundsrecords

Rui Dinis
Author

Rui Dinis é um pai 'alentejano' nascido em Lisboa no ano de 1970, dedicado intermitentemente desde Janeiro de 2004 à divulgação da música e dos músicos portugueses.