Editado o excelente “Nothing Ahead / Nothing Behind”, novo álbum de Rose Blanket, a trompa quis saber um pouco mais sobre o mesmo. Eis as respostas de Miguel Dias, o líder do projecto:
O que move Rose Blanket na música?
Essencialmente é a possibilidade de um espaço para criar, construir e partilhar, sem sentir necessidade de alimentar expectativas de retorno, seja do que for.
O primeiro álbum de Rose Blanket foi editado em 2004; de lá para cá, mudou muito o mundo de Rose Blanket? Como?
Com a edição deste disco, sinto a dissipar-se a sensação de urgência que acompanhou tudo o que tem estado relacionado com Rose Blanket ao longo destes anos. A urgência esteve sempre presente. Agora já não a sinto. Este trabalho em particular deixou-me satisfeito, fui ao limite daquilo de que sou capaz, ou antes, fui ao limite daquilo que poderia dar.
O anterior “Our Early Balloons” data de 2008. Em termos gerais, que principais diferenças podemos encontrar entre os dois registos?
Acho que fundamentalmente neste disco se encontram mais canções naquele que será o seu conceito tradicional, enquanto que em “Our Early Balloons” a abordagem, embora não imposta ou pensada, seria menos convencional, com ausência de refrões, mudanças bruscas dentro de cada tema etc…
Depois é claro que existe uma diferença quanto à própria sonoridade dos discos e isso é algo que eu claramente procurava. O disco anterior é um disco gravado na sua totalidade num estúdio, com as gravações confinadas ao mesmo espaço, enquanto que este foi gravado em grande parte numa casa de habitação em Barcelos e em diferentes das suas divisões. Com isto, acho que este disco tem uma sonoridade com um espaço mais próprio e que se poderá caracterizar por uma maior amplitude. Tudo aparentará ser maior, por assim dizer.
“Nothing Ahead/Nothing Behind” é mesmo um disco duplo? Achas que também podem ser considerados dois discos editados ao mesmo tempo numa mesma embalagem? Porquê?
Na realidade a minha intenção inicial e que se manteve até finais de 2010, era a de preparar dois discos para serem editados separadamente e de forma espaçada no tempo. Para além de outros factores, a opção pelo disco duplo deveu-se sobretudo a ter enfrentado a realidade de que a edição de dois discos provavelmente iria manter-me afastado durante demasiado tempo daquilo que realmente é importante para mim nisto tudo e de que falei no início da entrevista.
De qualquer forma e pese embora a edição de um disco duplo para um projecto quase incógnito e na actual conjuntura editorial seja um absurdo e penalizador para a sua promoção, acabou por fazer sentido, ou a mim faz sentido.
Consegues apontar 3 adjectivos que caracterizem claramente o novo disco?
Inquieto e inconstante, mas ainda assim, mesmo que só momentaneamente, apaziguador.
“Nothing Ahead/Nothing Behind” é um disco do Miguel Dias? Ou há outros inputs? Qual a sua importância?
É muito para além de um disco do Miguel Dias. É um disco de um projecto marcadamente pessoal, sem dúvida, mas em que o recurso a inúmeras participações/colaborações, e não falo só de músicos, é por sim mesmo uma marca fundamental do projecto. E todas essas participações sem excepção traduzem-se em inputs criativos para o resultado final, porque é isso mesmo que eu incentivo a cada pessoa que colabora comigo.
Entre a canção e a experimentação. Faz algum sentido esta afirmação, relacionando-a com o novo disco?
Sim, acho que faz sentido. Como já disse anteriormente, por um lado é um disco com mais canções, se comparado com o disco anterior e onde as melodias vocais e as próprias letras ganham mais protagonismo. Mas não abandona o carácter experimental e de exploração sonora, a que poderei acrescentar algum ambiente de improviso, bem presente por exemplo nas gravações dos diferentes músicos convidados, em que na maior parte dos casos o desafio é o de gravar pouco depois da audição do tema pela primeira vez.
Como ‘aparecem’ no disco as participações das vocalistas norte-americanas Jennifer Charles e Dana Schechter?
Queria repetir o conceito de colaboração que tive com a Ana Deus no disco anterior. Um determinado tema, quase completo instrumentalmente, e em que outra pessoa, sem qualquer indicação minha ou outra qualquer limitação, o interpretaria da forma que bem entendesse. Ao longo deste período de gravações juntei uns 4 temas para uma possível colaboração daquele tipo. No caso da Jennifer e da Dana, após ter obtido os respectivos contactos e ter enviado os temas, a aceitação foi imediata.
A voz de Filipa Caetano acaba por marcar bastante o disco. Como aconteceu esta ‘descoberta’? E que efeitos teve?
Como muita coisa em Rose Blanket é fruto do acaso. A Filipa disponibilizou-se para me fazer o favor de gravar aquilo a que se chama a pista guia de voz para alguns temas, para posteriormente entregar a outras pessoas para as gravarem de forma definitiva. Aconteceu que logo após a primeira gravação das tais pistas guias, fiquei com a clara sensação que era aquela voz que eu procurava. Quando isso aconteceu já tinha muitos temas quase prontos que acabaram por ficar de fora. No sentido inverso, a voz da Filipa acabou por ser uma influência para novos temas, com expressão mais acentuada no disco 2.
“Nothing Ahead/Nothing Behind” é uma edição BSonar. Como olhas para o actual panorama editorial luso?
bSONAR é um selo que criei para as minhas edições. É também possivelmente o início de algo que ainda não sei bem o que é.
Sobre algo tão abrangente como um panorama não sou a pessoa indicada para o fazer, pois não ouço muita música e não estou atento o suficiente a novidades, seja de edições portuguesas ou de outra qualquer parte do mundo. De qualquer forma tenho presente:
– um vídeoclip – PAUS (não me lembro do nome do tema que acrescente-se é extraordinário);
– uma música – “Silver” de Sean Riley;
– um EP – “Birth of a Robot” de “Dear Telephone”;
– dois discos que quero ouvir com atenção: Novo projecto de Ana Deus e Alexandre Soares (Osso Vaidoso) e Dead Combo.
Que tipo ambiência podem esperar as pessoas que forem ver Rose Blanket ao vivo?
Para esta edição não estão previstas actuações ao vivo. Trata-se de assumir que o meu espaço não é o palco, não é aí que me sinto confortável, com a plena consciência das consequências daí resultantes, em termos da divulgação deste disco.
Como vai ser o futuro próximo de Rose Blanket?
Tenho a ideia que para a conclusão deste projecto falta um disco e sobre o qual tenho uma visão mais ou menos concretizada.
É esse o objectivo. Agora bem mais complicado de concretizar porque o conjunto de opções que tomei, como por exemplo a questão dos concertos, acabaram por retirar ao projecto a sua independência financeira.
Rose Blanket – “Nothing Ahead / Nothing Behind” (bSONAR, 2011)
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www.roseblanket.net